Brasil

O que Lula fez nos 100 primeiros dias do governo?

09 abr 2023, 11:00 - atualizado em 09 abr 2023, 10:06
Lula, Bolsa Família
Lula anuncia volta do Bolsa Família com valor de R$ 600 (Foto: Ricardo Stuckert)

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa 100 dias nesta segunda-feira (10) tendo como marca a retomada de programas sociais, tal qual nas últimas gestões petistas. Porém, desta vez, não houve o anúncio de uma nova política pública com grande impacto social.

Entre os programas reciclados estão Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Mais Médicos. Todos têm apenas incrementos em relação às versões anteriores.

O Bolsa Família, por exemplo, pagava, em média, R$ 187 em 2021. Atualmente, o benefício é de R$ 600.

A retomada de políticas públicas, no entanto, não foi suficiente para preencher as expectativas da população, mostra o Datafolha. Segundo a pesquisa, a maioria dos brasileiros (51%) considera que o governo fez menos que o esperado nesses três meses.

O que mais tem pesado contra Lula é a situação econômica do país, na qual 15% da população considera que é a pior área de atuação do governo. Na sequência, aparecem saúde e segurança pública, com 12% cada, ainda segundo a mesma pesquisa.

Os 100 dias do terceiro mandato de Lula também é marcado por uma popularidade inferior às outras duas passagens do presidente pelo Palácio do Planalto.

Segundo o Datafolha, 38% da população avalia o governo Lula como bom ou ótimo, enquanto 29% consideram ruim ou péssimo e 30%, regular. No mesmo período de 2003, ele era aprovado por 43%. Em 2007, a marca foi de 48%.

Projetos e anúncios

Ao longo das últimas semanas, Lula tem cobrado os membros do primeiro escalão do governo para realizar mais entregas e, principalmente, divulgar os feitos do governo. O receio do presidente é de que as ações não estejam chegando à população.

O balanço dos 100 primeiros dias, porém, mostra que as medidas que poderiam ter um impacto concreto no cotidiano da população — sobretudo entre aqueles de baixa renda — ainda não saíram do papel.

Promessa de campanha de Lula, o Desenrola, programa de renegociação de dívidas que deve beneficiar até 40 milhões de brasileiros negativados, segue enrolado no Ministério da Fazenda. A proposta está parada por uma questão técnica e aguarda o desenvolvimento do software que será utilizado na implementação do projeto.

Já o aumento do salário mínimo, assim como a atualização da tabela do imposto de renda, foram aprovados. No entanto, só entram em vigor a partir de maio.

Por outro lado, a atuação de Lula frente à crise humanitária dos yanomamis foi bem recebida pela população. Segundo o Datafolha, a atenção aos povos indígenas foi a área de ação do governo mais bem avaliada pelos entrevistados (16%). Em seguida, está o combate à miséria (12%).

Outras medidas relevantes implementadas pelo governo nos 100 primeiros dias foram o reajuste de 39% da merenda escolar e o conjunto de ações para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres.

Disse-me-disse

Alguns membros do governo abraçaram o desejo de Lula de entregar novos projetos e divulgá-los junto à população. No entanto, esses mesmos ministros não combinaram isso com a Presidência da República, gerando desgastes ao governo.

O ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, anunciou o programa Voa, Brasil que, segundo ele, ofereceria passagens aéreas por R$ 200 para aposentados, estudantes, servidores públicos e pessoas com renda de até R$ 6,8 mil.

“O governo federal não entra com nenhum tipo de subsídio. Ele entra com a organização e os bancos, Caixa ou Banco do Brasil, que vão intermediar essa possibilidade”, disse França em entrevista à CNN.

As declarações do ministro foram feitas sem a aprovação do Palácio do Planalto. Tampouco a viabilidade do programa havia sido estudada pelo governo.

Como resultado, o próprio presidente Lula deu um recado público a França durante uma reunião ministerial. No encontro, Lula afirmou que “nenhuma genialidade” deve ser anunciada sem antes passar pela Casa Civil. Depois desse disse-me-disse, não houve mais anúncios sobre o Voa, Brasil.

Outro projeto que não passou pela Casa Civil e gerou atrito foi a redução do teto de juros do INSS, promovida pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT). A confusão foi tamanha que as instituições financeiras suspenderam o empréstimo consignado.

Com isso, foi preciso que os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil) entrassem na renegociação de um novo teto com os bancos. No fim, a taxa foi fixada em 1,97% ao mês — acima da proposta de Lupi de 1,70%, e inferior à anterior de 2,14%.

O último episódio foi com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que anunciou uma nova política de preços para a Petrobras (PETR4), sendo questionado pela própria companhia na sequência.

Mesmo que a alteração da política de preço de paridade de importação — a chamada PPI, que leva em conta as oscilações do dólar e do barril do petróleo no mercado internacional — seja uma demanda de Lula, o próprio presidente procurou desdizer a fala de Silveira.

“A política de preços da Petrobras será discutida pelo governo no momento em que o presidente da República convocar o governo para discutir política de preços”, disse Lula a jornalistas no Palácio do Planalto.

Economia, um capítulo à parte

Fernando Haddad e Simone Tebet
Ministros Simone Tebet (Planejamento) e Fernando Haddad (Fazenda) anuncia novo arcabouço fiscal (Imagem: MF/Diogo Zacarias)

Já no campo econômico, o governo elegeu o Banco Central (BC) como vilão e pressionou o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, por uma queda na taxa básica de juros (Selic).

Enquanto Lula e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, fritam Campos Neto, o ministro Fernando Haddad procurou manter um canal de diálogo com o chefe do BC, ainda que mantendo uma posição crítica ao nível do juro básico no país.

Entre as propostas da equipe econômica, duas merecem destaque: a reforma tributária e o arcabouço fiscal, conjunto de regras e diretrizes de controle das contas públicas. Ambos os projetos, porém, ainda vão precisar passar pelo Congresso Nacional.

Para Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama e professor do Ibmec-RJ, a transição entre o governo anterior e o atual não foi tão fluida. Portanto, foi necessário algum tempo para a nova equipe avaliar o quadro econômico.

Em um ambiente marcado pela crise bancárias nos Estados Unidos e na Europa, além do imbróglio das Lojas Americanas (AMER3), a apresentação da nova regra fiscal pela equipe econômica foi uma reação rápida da equipe econômica, segundo Espírito Santo.

“Como o banco central vem sinalizando que a Selic só irá começar a cair quando a inflação estiver ancorada, a nova regra fiscal se tornou ainda mais importante, pois todos sabem que o grande desafio macroeconômico do país é equacionar o desequilíbrio fiscal crônico, estabilizando minimamente a relação dívida/PIB”, afirma o economista-chefe.

A princípio, o arcabouço fiscal foi bem recebido por parte do mercado e da classe política. O próprio presidente do BC avaliou o conjunto de regras como positivo.

Porém, a nova âncora fiscal também prevê uma recomposição da base tributária. Haddad quer iniciar uma “caça aos jabutis” para acabar com o que classifica como “pratrinocianismo” de setores da economia. Ou seja, cobrar impostos de quem hoje não paga.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), já afirmou que a tese de Haddad em rever benefícios fiscais será o grande “xis” do texto do arcabouço fiscal na Câmara.

Embora o presidente Lula tenha distribuído 26 ministérios entre 9 partidos para conseguir formar uma base de apoio no Legislativo, a base governista dispõe de 223 deputados e 42 senadores, menos que o necessário para aprovar a nova regra fiscal (257 deputados; 41 senadores), e menos ainda para a reforma tributária (308 deputados; 49 senadores). Foram 100 dias, faltam 1.361.

Repórter
Jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com extensão em jornalismo econômico pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Colaborou com Estadão, Band TV, Agência Mural, entre outros.
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Jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com extensão em jornalismo econômico pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Colaborou com Estadão, Band TV, Agência Mural, entre outros.
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