Política

Portaria dos CACs seria muito pior para o esporte se não fosse o Exército, diz coronel

17 jan 2024, 12:45 - atualizado em 17 jan 2024, 17:56
O coronel André Porto
André Porto foi chefe da Divisão de Controle da DFPC até o final do ano passado; ele contou sobre os bastidores da confecção da portaria nº 166 (reprodução/LinkedIn)

O portaria nº 166, que saiu em dezembro regulando a atividade dos CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores), seria muito pior e restritiva se não fosse o interesse do Exército Brasileiro em proteger o setor e produzir “o mínimo de impacto para o esporte”, afirma o coronel André Porto.

Recentemente migrado para a reserva, Porto chefiou a Divisão de Controle da DFPC (Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados) no Exército Brasileiro até o final 2023.

O órgão é responsável pela fiscalização e processos de todos os PCE (Produtos Controlados pelo Exército), como químicos e explosivos, e também por tudo que envolve o mundo dos CACs, como as autorizações para as aquisição de armas e para novos atiradores esportivos.

“A portaria podia ter saído muito pior”

“As pessoas começaram a reclamar do Exército, mas afirmo categoricamente que a portaria poderia ter saído 30 dias após o decreto, mas sairia muito pior”, diz Porto. A fala do militar foi realizada durante uma live com Giovanni Roncalli, presidente da CBTT (Confederação Brasileiro de Tiro Tático), realizada no início do ano.

“Houve um interesse da instituição em tentar resolver esses pontos que ficaram muito duvidosos no decreto”, diz o coronel, colocando que a instituição optou por adiar sua publicação ao tentar negociar alguns aspectos do documento. Ele não especificou quais.

Porto diz que houve uma “divergência de entendimento sobre o que estava escrito no decreto”, e que o atraso em sua publicação foi “muito mais para sanarmos os pontos divergentes, com as instituições envolvidas na confecção do documento”, afirma.

O presidente da CBTT, Giovanni Roncalli, apontou para a presença de uma divisão por ‘calibre restrito’ e ‘calibre permitido’ no anexo E da portaria 166, enquanto que o decreto impõe aos CACs a prova de ‘habitualidade por calibre’. Ele então indagou o militar se a presença desses itens no texto reflete uma luta de bastidores.

“A guerra foi travada. Um combate longo, difícil e prolongado”, disse Porto. Confira abaixo mais trechos da entrevista de Roncalli com o coronel.

Exército e os CACs: Confira os principais trechos da entrevista

O Money Times recortou algumas das principais perguntas e respostas do Coronel André Porto ao presidente da CBTT. Confira abaixo.

Entrevistador: Portaria 166 teve uma luta de bastidores?

Cel Porto: Participei de boa parte das reuniões que ajudaram a balizar a portaria. Dentro do Exército, o que imperava era tentar cumprir a legalidade, aquilo que o decreto dizia, com o mínimo de impacto para o esporte.

Houve essa preocupação de todos que participaram, de não criar mais dificuldades. O decretou saiu em 21 de julho, e começamos a trabalhar na portaria. A primeira minuta da portaria 166 ficou pronta num tempo bastante razoável -não ficou pronta em dezembro, pode ter certeza disso. Não foi proposital ir até dezembro.

Porém, em alguns aspectos houve uma divergência de entendimento sobre o que estava escrito no decreto. A portaria demorou muito mais para sanarmos os pontos divergentes, com as instituições envolvidas na confecção do documento.

Ficou agarrado ao problema da habitualidade, o problema da caça, até acharmos uma solução. As pessoas começaram a reclamar do Exército, mas afirma categoricamente que ela poderia ter saído 30 dias após o decreto, mas sairia muito pior. Houve um interesse da instituição em tentar resolver esses pontos que ficaram muito duvidosos no decreto…

Entrevistador: O Exército é desarmamentista? Tem lado?

Cel Porto: Não. O Exército não é desarmamentista. É uma instituição de Estado, que não tem lado. Tínhamos uma grande dificuldade padronizar alguns procedimentos e entendimentos.

Às vezes é um sargento, que chega lá, novo, e nunca viu esse mundo. Nenhuma escola do Exército ensina o que é feito nos SFPC regionais e na DFPC. Então procuramos estudar e entender sobre esses processos.

Os usuários [dos serviços da DFPC] eventualmente têm essa sensação de que é o Exército está agindo contra eles, mas o problema vem por conta disso, dessa falta de padronização.

A DFPC trabalha o tempo todo para essa padronização. O que a DFPC precisa, é saber o que está acontecendo. Preciso que formalize isso num e-mail, para que a diretoria possa ter conhecimento do que está ocorrendo, para que possa quantificar e atacar o problema na origem.

Entrevistador:  O sr. acredita que o artigo que manda os clubes ficarem a 1km de distância das escolas pode cair?

Cel Porto: Isso entrou na legislação de uma forma que eu acredito que não foi técnica (…) Espero que isso seja resolvido politicamente. Juridicamente eu não vejo uma resolução.

Por que assim: um juiz de 1ª instância toma uma decisão… E aí? Depois vai aparecer um partido, um grupo, enfim algum interessado em prejudicar o setor e fazer uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade)…”, finalizou Porto.

A ADI citada pelo militar é um instrumento no qual a ação é levada direta ao STF (Supremo Tribunal Federal). “A minha esperança é que isso seja resolvido na política.

Entrevistador: Eu li no corpo do texto que a habitualidade é por calibre. Está lá escrito isso. Porém, quando você vai nos anexos, a habitualidade está separada por calibre restrito e permitido [veja abaixo na imagem]. Seria isso um resquício da luta que vinha sendo travada nos bastidores? 

Cel Porto: Giovanni, essa semana eu estava assistindo à entrevista de um arqueólogo. A arqueologia prova muita coisa que aconteceu no passado, nos tempos remotos. Posso te dizer que esse seu trabalho foi um trabalho de arqueologia… A guerra foi travada, Giovanni. Foi longa. Um combate longo, difícil e prolongado.

O anexo E da portaria dos CACs traz uma divisão por tipo de calibre, e não por calibre (reprodução/portaria nº 166)

O coronel André Porto afirmou ainda que as armas adquiridas pelos atiradores antes da publicação do decreto 11.615, têm sua posse garantida.

“Asseguro aos CACs que as armas adquiridas antes do decreto, a sua posse e utilização ficam asseguradas pelo próprio decreto, inclusive a aquisição de munição. Se tem uma coisa que o decreto fez muito bem, foi deixar isso claro”, diz.

“Para que mantenham as armas que hoje são consideradas de uso restrito, basta que cumpra as oito habitualidades mínimas para garantir seu CR”.

Exército tem 2.200 homens para analisar processos de quase 900 mil CACs

O coronel André Porto ponderou na live sobre o tamanho estrutura atual do Exército para analisar processos dos CACs e discorreu sobre as dificuldades enfrentadas, bem como os obstáculos para a Polícia Federal assumir o controle da categoria, o qual acredita que não deva ser concretizada em 2025, como está previsto pelo governo.

Veja aqui, na segunda parte desta reportagem.

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Repórter formado pela PUC-SP, com passagem pelo Poder360, Estadão e Investidor Institucional. Tem pós-graduação em jornalismo econômico pela FGV-SP, através do programa Foca Econômico 2022, do grupo Estado. No Money Times, cobre política, mercados e também a indústria de armas leves no Brasil.
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Repórter formado pela PUC-SP, com passagem pelo Poder360, Estadão e Investidor Institucional. Tem pós-graduação em jornalismo econômico pela FGV-SP, através do programa Foca Econômico 2022, do grupo Estado. No Money Times, cobre política, mercados e também a indústria de armas leves no Brasil.
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