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Protocolos de criptoativos: as crônicas do SushiSwap

14 set 2020, 15:39 - atualizado em 14 set 2020, 15:39
Quer entender o que cripto e sushi têm a ver? Confira a saga resumida pela Messari (Imagem: Unsplash/@lu_pl_ph)

Foi descrito como o primeiro assalto legal de US$ 1 bilhão do mundo. Porém, não foi um saco de dinheiro que foi roubado, e sim liquidez.

O drama SushiSwap parece ser algo que saiu de um livro de drama, apresentando uma dominação corporativa de ficção científica que deixaria o magnata Thomas Boone envergonhado.

Do jeito comum do setor cripto, tudo aconteceu muito rapidamente, com diversas reviravoltas, com pandas em desenho e heróis de última hora.

Mesmo para muitos que já fazem parte do setor de finanças descentralizadas (DeFi), a saga completa é algo difícil de acompanhar. Tentaremos resumir o que aconteceu da forma mais clara possível.

Em junho, o protocolo descentralizado de empréstimos Compound abalou positivamente o mercado cripto quando começou a distribuir seu token nativo COMP para usuários de seu protocolo (Imagem: Crypto Times)

De Compound ao YFI ao Sushi

Tudo começou quando Compound Finance lançou seu programa de “liquidity mining” — recompensa a um pool de formadores de mercado com um token nativo para incentivá-los a fornecer liquidez para um token específico — em junho.

Em troca de tomar e conceder ativos na Compound e impulsionar os usuários dos mercados monetários da Compound, usuários recebiam tokens COMP. O valor total bloqueado (TVL) na Compound disparou junto com o preço do token COMP e as pessoas começaram a prestar atenção.

A próxima fase veio quando Yearn Finance apresentou a ideia de “lançamento justo” para liquidity mining.

Enquanto Compound foi apoiada por capital de risco, em que tokens foram distribuídos para a equipe e para investidores institucionais, Andre Cronje, criador do Yearn, permitiu que qualquer um ganhasse tokens YFI ao bloquear capital no protocolo.

Nenhum token foi alocado para si ou investidores externos e todos os tokens foram distribuídos para usuários que “farmassem” YFI. Apoiados por essa mentalidade clara e focada na comunidade, a capitalização de mercado do YFI passou de US$ 0 para US$ 1 bilhão em seis semanas.

Em seguida, vieram as “memecoins” — termo dado a moedas que imitam certas ideias e aproveitam a febre do mercado cripto: Yam.Finance, Ham.Finance, Spaghetti Money.

Assim como YFI, esses protocolos realizaram “lançamentos justos” que forneciam rendimento de tokens de governança em troca do staking de determinados ativos em seus contratos.

Diferente de Compound e YFI, que colocam o capital dos usuários em uso produto pelo fornecimento de liquidez, esses protocolos de memecoins não fazem nada de útil.

Basicamente, são jogos de soma zero onde participantes iniciais que poderiam adquirir os tokens gratuitamente por meio de liquidity mining, promovê-los e enganar idiotas no mercado aberto antes de puxarem o tapete.

Quando SushiSwap foi anunciado, pareceu que iria ser apenas outra memecoin inútil. Nas duas semanas seguintes, se mostrou ser bem mais do que isso.

Uniswap é um protocolo completamente descentralizado para o fornecimento automático de liquidez na Ethereum (Imagem: Crypto Times)

Bifurcação do Uniswap

Memecoins como Yam.Finance são chamados de “moedas frankenstein”, pois são criadas na bifurcação de elementos de protocolos diferentes. Copie e cole parte do código do YFI e crie uma stablecoin complexa chamada Ampleforth e você consegue um esquema ponzi como legumes vegetais.

Porém, SushiSwap chamou a atenção quando anunciou no fim de agosto que seria uma bifurcação do Uniswap: a corretora descentralizada no coração da febre DeFi.

O anúncio do SushiSwap detalhou planos de basicamente copiar e colar o código do Uniswap e acrescentar um token sobre ele: token SUSHI.

A ideia seria criar uma Uniswap mais pertencente à comunidade que recompensava fornecedores de liquidez por seu papel fundamental em impulsionar a corretora.

Embora SushiSwap siga o padrão das memecoins (bifurcar um protocolo + acrescentar um token), veio com uma vantagem: uma “migração de liquidez” planejada que enviaria ondas de choque por toda a comunidade DeFi nas duas próximas semanas.

A ideia de SushiSwap é criar uma Uniswap mais pertencente à comunidade que recompensava fornecedores de liquidez por seu papel fundamental em impulsionar a corretora (Imagem: Crypto Times)

O rei dos AMMs

O roteiro parece difícil de acompanhar sem entender os aspectos básicos do Uniswap. É um tipo específico de corretora descentralizada (DEX) chamado de formador automático de mercado (AMM).

Enquanto outras DEXs como 0x aplicam um modelo de livro de ofertas que combina compradores e vendedores, AMMs usam pools de liquidez que estão sempre dispostos a comprar ou vender um par de ativos.

Por exemplo, se você tem DAI e ETH dando sopa, você pode enviá-los a um pool DAI/ETH da Uniswap. Em troca, Uniswap te dá um token de formação de mercado (LP).

Conforme usuários do Uniswap trocam ETH por DAI e vice-versa no pool ETH/DAI, seus tokens LP permite que você colete taxas de negociação. Esses mesmos tokens LP também permitem que você reivindique sua liquidez quando quiser.

Uniswap teve sucesso em um ambiente onde novos tokens estão surgindo do além. Onde corretoras centralizadas exigem muito interesse e liquidez para fornecer suporte a um token, o modelo da Uniswap pode fornecer apoio a uma infinidade de tokens.

Simplesmente precisam de alguns fornecedores de liquidez dispostos a comprometer esses tokens a um pool de liquidez do Uniswap. A beleza do Uniswap é que ninguém precisa pedir permissão a alguém para participar e acrescentar tokens aos pools de liquidez do Uniswap.

Embora seus tokens LP sejam fundamentais para que o Uniswap funcione, não possui um token de governança predominante.

Em uma indústria repleta de tokens inúteis criados para enriquecer fundadores e investidores iniciais, Uniswap foi celebrado por esse modelo sem tokens. No novo faroeste de DeFi, isso pode ser um vetor de ataque.

A ideia seria recompensar iniciais fornecedores de liquidez por seu papel em criar a liquidez do SushiSwap (Imagem: Uniswap/zyteng1997)

O espertinho chefe panda

A pessoa por trás do SushiSwap veio na forma de um pseudônimo chefe panda, com o nome de Chef Nomi.

Chef Nomi e o plano do SushiSwap foi de basicamente copiar e colar o código do Uniswap e acrescentar incentivos mais fortalecidos para fornecedores de liquidez por meio de um token de governança (SUSHI).

Enquanto Uniswap pagou uma taxa de 0,30% apenas para fornecedores de liquidez, SushiSwap pagaria 0,25% para fornecedores de liquidez, em que os 0,05% restantes seriam convertidos em tokens SUSHI e distribuídos para detentores existentes do SUSHI.

A ideia é recompensar iniciais fornecedores de liquidez por seu papel em criar a liquidez do SushiSwap. Além disso, 10% de cada distribuição de SUSHI seria posto de lado em um “fundo de desenvolvimento”.

Como adquirir SUSHI? Pegue seus tokens LP do Uniswap e realize o staking deles em um contrato do SushiSwap.

Então, se você tirar tokens LP que recebeu ao contribuir seus DAI/ETH ao Uniswap e realizar o staking deles no SushiSwap, você seria recompensado com tokens SUSHI.

Fornecedores de liquidez do Uniswap responderam ao chamado e colocaram US$ 1,6 bilhão em staking de tokens LP ao SushiSwap.

Isso teve o efeito de levar ainda mais liquidez ao Uniswap conforme pessoas aplicaram capital no Uniswap para receber tokens LP que poderiam pôr em staking no SushiSwap para receber mais SUSHI.

É aqui onde aparece a migração de liquidez. Lembre-se que tokens LP representam a liquidez existente no Uniswap, como DAI/ETH.

Até agora, seus DAI/ETH ainda estão no Uniswap, enquanto tokens LP estão bloqueados no SushiSwap, rendendo tokens SUSHI. Quando a migração de liquidez do Chef Nomi aconteceu, seus tokens LP seriam reivindicados pelo par ETH/DAI no Uniswap e migrados ao SushiSwap.

Em outras palavras, foi uma forma esperta de o SushiSwap beber da fonte do Uniswap.

Em 5 de setembro, Chef Nomi converteu US$ 14 milhões de SUSHI em ETH (Imagem: Unsplash/@davidtoddmccarty)

Chefe panda puxa o tapete

O plano do Chef Nomi estava em ação e a alquimia DeFi estava à mostra conforme os novos tokens SUSHI saíram de US$ 0 para US$ 10.

O token SUSHI foi listado até nas corretoras centralizadas Binance e FTX. Participantes iniciais conseguiram obter milhões ao vender seus tokens SUSHI para especuladores no mercado aberto.

Em seguida, conforme o preço dos tokens DeFi disparou próximo ao dia 7 de setembro, Chef Nomi se envolveu em uma polêmica.

Lembra que o fundo de desenvolvimento em que 10% dos SUSHI recém-emitidos foram aplicados? Chef Nomi tinha controle desse fundo e, no dia 5 de setembro, vendeu US$ 14 milhões de tokens SUSHI por ethers e os guardou. O preço do SUSHI despencou 70%.

Chef Nomi afirmou que estava fazendo isso pelo bem da comunidade e que, ao abrir mão de seus SUSHIs, o preço não seria uma distração e ele poderia se concentrar na migração. A recém-formada comunidade Sushi não aceitou nada disso e o Twitter estava repleto de ira.

No dia 6 de setembro, Chef Nomi transferiu as chaves de administrador a Bankman-Fried (Imagem: Crypto Times)

E aqui vem o Sam…

Muitos acharam que isso acabaria com o experimento do SushiSwap. Porém, independente da queda de preço do SUSHI, havia mais de US$ 1 bilhão em TVL de SUSHI e imenso interesse. O problema é que Chef Nomi era o único que controlava o código do SushiSwap.

Em meio ao caos, surgiu Sam Bankman-Fried, CEO da empresa de investimentos alameda-research.com e da corretora FTX, que é uma das corretoras que listou SUSHI.

Sam entrou no Twitter e apresentou um plano para que Chef Nomi desse seu acesso ao reino Sushi para que a migração continuasse conforme o planejado. Embora Bankman-Fried não tenha explicitamente sugerido que desse acesso a ele, foi isso o que o chefe panda fez.

No dia 6 de setembro, Chef Nomi transferiu as chaves de administrador a Bankman-Fried e sumiu (ou foi o que pareceu).

Já que ter as chaves de administração sob controle de uma só pessoa ter sido o que pôs o SushiSwap em problemas desde o início, o plano de Sam foi colocar as chaves em um contrato de multiassinaturas.

Esse tipo de contrato permite que diversas pessoas assinem antes de mudanças serem feitas. Isso evitaria, por exemplo, que alguém vendesse todo o fundo de desenvolvimento SUSHI no mercado aberto.

Para determinar quem teria acesso ao contrato de multiassinaturas, uma votação popular foi aberta entre detentores de SUSHI.

Além de Sam, o fundador do Compound Finance Robert Leschner, Larry Cermak do The Block e CMS Holdings foram eleitos, entre outros. A crise foi evitada e a comunidade Sushi conseguiu ignorar a traição de Chef Nomi. A migração começou.

E que comecem os jogos

Na última quarta-feira (9), a migração começou. Qualquer um que fizesse o staking de tokens LP do Uniswap no SushiSwap teria a liquidez subjacente do token reivindicada e migrada para o SushiSwap.

Voltando ao exemplo: com a migração, seus tokens LP do Uniswap seriam reivindicados pelos ETH/DAI subjacentes e migrados do Uniswap para SushiSwap. Assim, você receberia tokens LP do SushiSwap e continuaria a coletar taxas de negociação, bem como o novo token SUSHI. Simples, certo?

Esse mecanismo zerou metade da liquidez da Uniswap. SushiSwap passou de US$ 810 milhões de tokens LP do Uniswap para US$ 811 milhões em TVL em inúmeros pools de liquidez. Grande parte da fonte do Uniswap secou.

Valor total bloqueado (em dólares) no Uniswap (Imagem: DeFi Pulse)

 

TVL pós-migração de liquidez do SushiSwap (Imagem: SushiSwap Protocol Analytics)

Começam as guerras de liquidez

Toda essa saga não prejudicou tanto o Uniswap. Assim como Cami Russo disse (esta cobertura foi possível graças à sua newsletter The Defiant), a quantidade de liquidez no Uniswap aumentou ao longo de todo o fiasco.

Mostra um novo tipo de frente de combate no mundo do código aberto e da componibilidade. Uniswap é o produto de quatro anos de trabalho, bem como uma quantia saudável de financiamento de capital.

Nessa nova fronteira, um panda de desenho animado e uma comunidade apoiada por um capital mercenário podem comandar bilhões de dólares equivalentes em liquidez ganha com alguns incentivos espertos de token.

Liquidez não é um fosso quando capital pode movimentar na velocidade da internet. Bem-vindos ao faroeste que é o setor DeFi.

P.S.: em uma outra reviravolta, Chef Nomi devolveu todos os ETH, agora equivalentes a US$ 14 milhões, ao tesouro Sushi, em uma tentativa de entrar de volta para a comunidade. Não é possível de se inventar.

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