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Recuperações judiciais, El Niño e La Niña: Os desafios para o PIB do agro em 2024

05 mar 2024, 15:11 - atualizado em 05 mar 2024, 15:14
agro recuperações judiciais
Produtores rurais nas recuperações judiciais uma alternativa financeira interessante para os seus próprios negócios; o que esperar do PIB?(Imagem: Unsplash/@jediahowen)

Na última sexta-feira (1), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os números do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro no ano de 2023, dando conta de que a economia do país cresceu 2,9% em comparação com o ano anterior de 2022.

Impressionaram demais os números da agropecuária que representaram um aumento de 15,1% em relação ao somatório das riquezas produzidas pelo setor no ano anterior. Um recorde absoluto se verificarmos a série histórica de dados.

Os demais setores cresceram também, porém em números muito inferiores, o que fez com que a média de crescimento do somatório das riquezas produzidas por todos os setores de nossa economia ficasse em 2.9% em 2023.

Histórico da agropecuária

Segundo os dados do IBGE, nos últimos dez anos o setor cresceu no acumulado, cerca de 40%. Só no primeiro trimestre do ano de 2023, apresentou crescimento de 20,9% o que redundou nesse recorde ao final do ano.

Esses números incríveis – como costuma me dizer um primo que trabalha no mercado financeiro: “Temos uma China, dentro do Brasil” – são reflexo de anos e anos de muito trabalho, pesquisa, desenvolvimento de tecnologias, empreendedorismo do homem do campo e políticas de estado voltadas para o setor.

Assim, apesar de recorde, o número não surpreende e tem de ser entendido dentro do contexto do que foi realizado até então.

Os desafios para o PIB em 2024 permanecem

Inobstante os números alvissareiros do ano passado, podemos dizer que os desafios postos para 2024 permanecem, como temos colocado desde a primeira coluna do ano aqui nesse espaço no Money Times.

Ainda estamos sob forte impacto das mudanças climáticas com El Niño e La Niña no “combo”, afetando o regime de chuvas e o clima em algumas importantes regiões produtoras de grãos.

Esses fatores podem comprometer a safra, cuja colheita da soja em algumas dessas regiões já se inicia, tendo por expectativa a redução de produtividade e até quebras de safra, em algumas situações mais extremas, o que certamente acarretará números inferiores aos da safra recorde passada – que impulsionou, por sua vez, esse PIB recorde.

Além disso, apesar do custo dos insumos ter arrefecido em relação aos prognósticos anteriores, as margens do produtor continuam apertadas e até – em alguns casos – negativas dado o fato de em tempos de bonança alguns produtores não terem feito o “dever de casa” em relação ao controle de custos e melhores práticas de gestão.

Fora isso, os preços despencaram em relação ao ano passado, o que ajuda a agravar o cenário de aperto de margens que, a rigor, deve permanecer por mais tempo indo um pouco além de 2024, por conta de muitas variáveis presentes no mercado nacional e internacional.

Recuperações judiciais no campo começam a eclodir

Com um cenário mais desafiador em termos de rentabilidade claro que o crédito, devido às questões de safra, preços e margens acima assinaladas, começa a escassear e a encarecer o que faz com que o aperto da margem do produtor se agrave por mais esse fator conjuntural.

Isso mesmo em um cenário em que a Lei do Agro entra na quarta fase de sua aplicação para o financiamento no campo e que temos um Plano Safra com oferta recorde de recursos, além de novos instrumentos, como o Fiagro, para a realização dessa oferta de recursos financeiros, mas que de per si, não modificam, por óbvio, a lógica da produção, nem do aperto de crédito pelo aumento conjuntural dos fatores de risco.

Nesse contexto, alguns produtores rurais – estimulados muitas vezes por quem não é do campo e vê nas recuperações judiciais uma alternativa financeira interessante para os seus próprios negócios – vem recorrendo a um instrumento derradeiro, a recuperação judicial, para tentar forçar uma renegociação das suas dívidas de curto prazo com financiadores, fornecedores e até mesmo com sua mão-de-obra.

Isso, por óbvio, impacta diretamente o próprio cenário de oferta de recursos para o financiamento da produção com aumento significativo do risco de crédito dos financiadores e fornecedores.

Como temos insistido nessa coluna, com tantas alternativas de negociação e mediação de conflitos hoje previstas na legislação, tantos outros instrumentos e ferramentas novas de estruturação dos negócios e reescalonamento de dívidas, além de uma maior oferta de
recursos privados ao agronegócio brasileiro, a utilização indiscriminada da recuperação judicial para forçar situações de renegociação de dívidas de produtores rurais pode gerar insegurança jurídica e contribuir para a escassez de crédito no mercado.

Custos transacionais e incertezas adicionais

Além disso, trazer para o centro do debate da viabilidade ou não dos negócios no campo e do reescalonamento de suas dívidas, através de processos dessa natureza, – trazendo para dentro da fazenda, dentro do próprio negócio no campo “dentro da porteira” -, atores que nada tem a ver com a produção agropecuária propriamente dita, tais como peritos judiciais, juízes, advogados, contadores, auditores etc., além de aumentar os custos transacionais adicionam mais incertezas ainda em um processo de apertos de preços, margens e escassez de crédito.

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E muitas vezes esse “remédio amargo”, cheio de efeitos colaterais, não funciona, já que a reforma da lei da recuperação judicial do final de 2020, retirou, por exemplo, as operações de barter (troca), dívidas de CPR física, repasses de recursos oficiais e algumas dívidas de aquisição de propriedades rurais do computo das dívidas passíveis de renegociação via recuperação judicial.

Nesse sentido, alguns tribunais de justiça de estados importantíssimos para o agronegócio brasileiro têm respondido aos recursos de financiadores, positivamente, ou seja, tem retirado muitas dívidas de CPR e outras acima citadas do âmbito do processo de recuperação judicial, fazendo com que o procedimento para o produtor que recorreu a tal forma de renegociação de suas dívidas, seja muitas vezes ineficaz, além de dispendioso e agregador de custos transacionais e muitas incertezas adicionais.

Conclusão

Com tudo isso, é importante que não percamos de vista o sucesso do agro brasileiro ao longo dos últimos anos para que em situações excepcionais, como a que se encontram alguns produtores esse ano por diversos fatores, sejam resolvidas de forma a se ter um olhar mais próximo às necessidades da cadeia ampla do agronegócio como um todo.

Atuar em gestão, de modo a facilitarmos que os atores do setor busquem a devida recuperação de alguns empreendimentos e a sustentação de vários deles em situações mais desafiadoras, é de fundamental importância para o resultado positivo recorde de 2023, em breve se repita e continue se repetindo por muitos e muitos anos, como temos certeza que deverá acontecer se deixarmos o empreendedorismo do homem do campo e as políticas de estado para o agro, funcionarem sem maiores ruídos ou interferências no regular andamento dos negócios no campo.

André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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