Coluna da Tatiana Sendin

Saúde mental de colaboradores vira prioridade de empresas; mas será que é tarde demais?

19 jul 2023, 17:34 - atualizado em 19 jul 2023, 17:34
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“É inegável que o trabalho exerce um peso significativo na qualidade da saúde mental da população”, diz Tatiana Sendin (Imagem: Wikipedia/ O Grito/ Edvard Munch)

Cuidar da saúde mental dos funcionários finalmente se tornou uma prioridade para o setor de recursos humanos (RH), de acordo com uma pesquisa da Think Work. Já era tempo. Basta conversar com qualquer amigo ou colega de trabalho para perceber que as pessoas estão enfrentando momentos difíceis.

A principal queixa é de cansaço e falta de energia, mas muitos também se sentem irritados, estressados e ansiosos. Esse estado psicológico afeta diversas áreas da vida, incluindo as relações sociais.

Um estudo da Think Work realizado em 2022 revelou que, em três meses, os participantes haviam cancelado quase 4 dias de atividades de lazer ou encontros com familiares e amigos devido às suas condições mentais. No mesmo período, apenas 1 dia de trabalho havia sido perdido por esse motivo.

O fato de os funcionários faltarem menos no trabalho não significa necessariamente que eles estejam comprometidos com a empresa ou que estejam saudáveis física e emocionalmente. Na verdade, isso pode ser um sinal de insegurança e medo de demissão, fatores que contribuem para o aumento do estresse e da ansiedade.

Apesar de não terem se ausentado, os participantes da pesquisa da Think Work relataram que sua produtividade diminuiu pela metade em pelo menos 1 de cada 5 dias de trabalho. Isso é conhecido como “presenteísmo“, quando o corpo físico está presente, mas a concentração não está.

Dados recentes do Gallup também indicam que a proporção de profissionais engajados, ou seja, aqueles que têm energia para dar o melhor de si pela empresa, caiu para 32%, o menor índice em uma década, enquanto a proporção de profissionais ativamente desengajados, aqueles que falam abertamente mal do empregador, atingiu um recorde de 18%.

Se pudessem, provavelmente os profissionais deixariam de trabalhar. Aliás, foi exatamente o que aconteceu durante a pandemia, quando um número nunca visto antes de pessoas pediu demissão, em um movimento que ficou conhecido como Great Resignation. A crise da COVID-19 fez com que muitas pessoas reavaliassem sua relação com o trabalho e trouxe à tona a importância do cuidado com a saúde mental.

Em um mundo dominado pela tecnologia, no qual o tempo de tela acabou com o “dolce far niente”, culpar exclusivamente o trabalho pela piora dos índices globais de saúde mental é simplificar demais um tema complexo.

A prática de compartilhar todos os acontecimentos da vida contribui para níveis mais altos de estresse e ansiedade, especialmente entre os jovens. O uso de filtros que deixam a pele perfeita e as imagens de pessoas sempre felizes cria uma meta inatingível em contraste com uma vida real que, na verdade, está repleta de sofrimento, trabalho árduo e dificuldades.

Recentemente, um novo componente foi adicionado à lista de fatores que contribuem para as doenças emocionais: o meio ambiente. De acordo com um relatório da ONU, as mudanças climáticas podem agravar o estresse e o trauma das pessoas que perdem seu ambiente de vida.

Esse medo, aliás, levou ao surgimento de profissionais especializados no tratamento de indivíduos diagnosticados com “ansiedade climática”. Além disso, um estudo publicado pela Universidade de Cambridge sugere que a exposição à poluição do ar pode aumentar o risco de transtornos como esquizofrenia e depressão.

Saúde mental e sobrecarga de trabalho

Contudo, apesar dos vários fatores envolvidos, é inegável que o trabalho exerce um peso significativo na qualidade da saúde mental da população. Se no passado os funcionários iam para casa após o expediente e raramente eram contatados pela empresa, agora, graças à tecnologia, eles estão disponíveis o tempo todo, em qualquer lugar, por meio de diversos aplicativos de mensagens. Verificar o e-mail de trabalho, mesmo durante o fim de semana e as férias, tornou-se um reflexo inconsciente.

A cada ano, os funcionários acumulam tarefas que antes eram atribuídas a três ou cinco colegas que foram demitidos ou nunca contratados. Na pesquisa de 2022 da Think Work, 63% dos participantes reclamaram do aumento do volume de tarefas.

Além disso, a pressão para obter resultados, tomar decisões corretas e rápidas, inovar e fazer diferente cresce a cada dia. O medo de ser substituído por uma máquina, especialmente após a popularização da inteligência artificial, aumenta a exigência de se manter atualizado e a insegurança em relação ao emprego.

O resultado disso são os números que já conhecemos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, estima-se que, em 2019, 1 bilhão de pessoas sofriam de alguma doença mental, e o suicídio era a segunda maior causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos. A pandemia certamente agravou essa situação. Uma pesquisa recente da Think Work com 200 empresas revelou que, em 2022, elas tiveram mais casos de afastamento por doenças mentais (46%) do que por acidentes de trabalho (29%).

Ainda dá para evitar o pior?

Para enfrentar esse desafio, é essencial que as organizações implementem programas de apoio psicológico, como sessões de terapia online, palestras sobre saúde mental e, especialmente, a criação de um ambiente de trabalho acolhedor e inclusivo. Além disso, é importante que os líderes estejam preparados para identificar sinais de estresse e ansiedade nos funcionários e oferecer o suporte adequado.

No entanto, temo que a situação tenha chegado a um ponto em que apenas essas práticas tradicionais não sejam mais suficientes, especialmente porque muitos trabalhadores optam por esconder de seus empregadores que estão sofrendo emocionalmente.

Talvez as mudanças precisem ser mais profundas e envolvam uma revisão de conceitos antigos. Quem deveria ser considerado um “bom funcionário”: aquele que trabalha 14 horas por dia em um ritmo insustentável ou aquele que sabe quando parar para preservar sua saúde física e mental? A semana de trabalho de cinco dias, estabelecida por Henry Ford em 1926, ainda deveria ser seguida por nós?

Enquanto essas transformações profundas não ocorrem, talvez devêssemos ouvir e aprender com as pessoas que sofrem dessas doenças, pois somente elas podem avaliar o verdadeiro impacto dessas condições em suas vidas.

Como líderes, deveríamos ser tolerantes com um funcionário que não entregou um projeto devido a uma crise de ansiedade e ser capazes de identificar sinais desses transtornos em nossa equipe. Ambas são tarefas difíceis, pois também somos cobrados por metas, e as doenças em si são difíceis de serem diagnosticadas, até mesmo por especialistas.

Aumentar nosso conhecimento sobre o tema e, acima de tudo, investir em nosso autoconhecimento podem nos tornar mais sensíveis aos outros e a nós mesmos. Em vez de remediar o que está ruim, seria melhor evitar que a situação chegasse a esse ponto. Pelo menos agora, a saúde mental se tornou uma prioridade para os RHs.

Tatiana Sendin é fundadora e CEO da Think Work. Jornalista especializada em negócios e recursos humanos, nos últimos 20 anos, tem escrito sobre carreira, mercado de trabalho, gestão de pessoas, empreendedorismo e tecnologia.
Tatiana Sendin é fundadora e CEO da Think Work. Jornalista especializada em negócios e recursos humanos, nos últimos 20 anos, tem escrito sobre carreira, mercado de trabalho, gestão de pessoas, empreendedorismo e tecnologia.
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