Economia

Se o PIB continuar patinando, a política fiscal pode ser acionada? E as consequências?

03 set 2019, 19:15 - atualizado em 03 set 2019, 19:15
O resultado reverteu o recuo de 0,1% no período anterior e, assim, a recessão técnica não ocorreu (Imagem: Pixabay)

Por Leandro Manzoni/Investing.com

O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre do ano, divulgado na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), veio acima da expectativa de alta 0,2% dos analistas do mercado ao registrar uma expansão de 0,4%. O resultado reverteu o recuo de 0,1% no período anterior e, assim, a recessão técnica não ocorreu.

Além disso, foi o melhor resultado registrado para este período do ano desde 2013 e é o maior resultado trimestral desde o terceiro trimestre de 2018.

A surpresa positiva não alterou a perspectiva dos analistas, que mantêm o diagnóstico de retomada gradual da atividade econômica para o restante do ano, ainda mais que a economia brasileira está 5% aquém do pico de atividade de antes do início da crise em 2014. A precaução prevalece especialmente se analisar a tendência do principal fator que impulsionou a economia brasileira no segundo trimestre: os investimentos, que registraram uma expansão de 3,2% sobre o primeiro trimestre.

Analistas veem esse movimento mais como respiro do que como um sinal consistente de recuperação, o que mantém cenário-base de economia lenta e em retomada apenas gradual. A expectativa é de desaceleração no aumento da capacidade produtiva, devido ao elevado nível de ociosidade na economia e ao crescimento ter ocorrido graças a setores específicos, como os empreendimentos voltados a segmentos de alto luxo na construção civil.

Além disso, com exceção do consumo das famílias municiado com a liberação de recursos do FGTS e PIS/Pasep, no lado da demanda as exportações devem sofrer pressão adicional pelas turbulências econômica e política na Argentina e incertezas quanto ao desdobramento da guerra comercial entre EUA e China.

A divulgação, pelo lado da oferta, da produção industrial de julho, que apresentou o pior desempenho para o mês em quatro anos, corrobora a percepção de cautela. O recuo de 0,3% em julho é o pior para o mês desde 2015 (-1,8%), enquanto a queda de 2,5% contra o mesmo mês do ano passado foi o mais forte também para o mês desde 2016 (-6,1%).

Estímulos adotados são suficientes?

A retomada gradual da economia é o diagnóstico do Banco Central que prescreve a política monetária estimulativa, que levou à redução da taxa básica de juros de 6,5% para 6% na reunião de 31 de julho, com a expectativa de que o BC encerre o ano com a Selic em 5%, segundo o último Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (02). Além disso, o avanço da reforma da Previdência e início dos trâmites da reforma tributária, além do anúncio de um pacote de privatização de empresas estatais pelo governo federal, apresenta uma tendência de melhora no horizonte do risco fiscal brasileiro.

São crescentes, porém, os questionamentos de economistas renomados a respeito da suficiência da redução da Selic e da implementação da agenda de reformas para acelerar o PIB, sendo que alguns chegam a sugerir eventual uso da política fiscal e revisão da Lei de Teto de Gastos para tal finalidade. E as dúvidas e sugestão não são somente de economistas heterodoxos ou filiados a partidos de esquerda.

Aparecem opiniões na imprensa defendendo tais medidas nomes como Eduardo Giannetti da Fonseca, Fabio Giambiagi e Samuel Pessôa, cada um com sugestões diferentes a respeito da melhor forma de utilizar os instrumentos fiscais para reverter o quadro. André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, sugere até a emissão monetária para financiar obras de infraestrutura em artigos teóricos publicados no jornal Valor Econômico ao longo de 2019.

Dois fatores influenciam a opinião destes economistas: o elevado desemprego e a queda do investimento público, que acaba impactando na confiança dos empresários. Em relação ao desemprego, preocupam as consequências sociais do elevado número de pessoas desempregadas por muito tempo, além do desdobramento econômico com a deterioração do capital humano do país devido ao elevado período de inatividade.

Além disso, há aproximadamente entre 8 mil a 12 mil obras públicas paralisadas, segundo Giannetti da Fonseca em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo na semana passada. O economista cita números de Claudio Frischtak, especialista em infraestrutura. As obras paralisadas deterioram o capital investido e sua reativação promove uma rápida queda do desemprego, pois são obras de mão-de-obra intensiva, embora Giannetti aponta a falta de gestão do governo para fazer isso e que isto não é impeditivo para não fazer.

Opinião do mercado

O Investing.com Brasil conversou com três economistas sobre a viabilidade do uso da política fiscal para contribuir com a queda da taxa básica de juros e a aprovação da reforma da Previdência para impulsionar o crescimento da economia. As entrevistas com dois economistas de gestoras de recursos e um de banco de investimentos foram realizadas antes da divulgação do PIB na semana passada.

As opiniões não foram unânimes. Os assuntos que estiveram presentes na conversa foram: se a queda da Selic e a aprovação das reformas são suficientes para alavancar o PIB; caso contrário, se há espaço fiscal para aumentar o investimento público; as consequências do prêmio risco se o setor público brasileiro retomar os gastos fiscais como indutor do crescimento; a revisão da Lei do Teto de Gastos; e se há outras alternativas para alavancar o crescimento

Ponto de vista contrário

“Não vejo espaço fiscal, o resultado primário ainda está em déficit”, avalia Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset, analisando que o uso de medidas fiscais vai ser mais uma vez contrário ao objetivo almejado. “País está com trajetória de dívida pública não sustentável”, afirma André Mulller, economista-chefe da AZ Quest Investimentos, apontando que, se há uso da política fiscal, tem-se o risco de reversão da queda de juros, implicando em aumento do prêmio de risco e aceleração da inflação.

O economista da AZ Quest avalia que a queda da Selic e a aprovação da reforma da Previdência, junto com a liberação dos recursos do FGTS, serão suficientes para a recuperação, embora ressalte que o nível da atividade não será intensa quanto ao que o país viu em outros períodos, assim como terá que conviver com aumento das incertezas externas.

Caso o PIB não cresça 2,5% em 2020, há risco de questionamento da política econômica implementada desde 2016, durante o governo do ex-presidente Michel Temer. “Se for pegar [na economia brasileira] o risco externo, o risco político se torna real”, afirma Muller, sobre a possibilidade de a desaceleração econômica global levar a outro ano decepcionante de crescimento no ano que vem.

“Governo federal tem espaço para aumentar gastos com investimentos, mas é pequeno”, diz Lima da Western, explicando que há risco de descumprimento do teto de gastos, além de relembrar das dificuldades de Estados e municípios de fecharem as contas devido à expansão da folha de pagamentos do funcionalismo público. Por isso, ele prescreve o afrouxamento monetário conduzido pelo Banco Central para induzir o crescimento, ainda mais que a inflação está comportada.

Além de serem contrários ao uso da política fiscal e a revisão do Teto de Gastos, Lima e Muller convergem na defesa da aprovação da Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica. Na visão dos dois economistas, as regras contidas na MP vão propiciar aumento da produtividade e queda dos custos das empresas.

Além disso, as privatizações e concessões foram citadas como fatores de indução de investimentos para destravar o crescimento da economia. “Os governos federal e estaduais deveriam ser mais efetivos e agilizar as concessões e privatizações”, diz Lima da Western, indicando que o setor público crie modelos de concessão à iniciativa privada investir na infraestrutura do país.

Ponto de vista favorável

 

 

Já o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, discorda de Lima e Muller e avalia que a queda da Selic e a reforma da Previdência não são suficientes para acelerar a retomada do crescimento da economia brasileira. “Há queda dos juros há 5 meses e não há sinal de mudança no consumo e liquidez nos investimentos pesados neste período”, diz o economista, se referindo à trajetória de baixa nos juros futuros.

“A Reforma da Previdência deve ter efeito no médio e longo prazos”, prossegue, apontando que, no curto prazo, as mudanças nas regras de aposentadoria vai ter um efeito contracionista na atividade econômica, impactando negativamente na recuperação, pois diminui renda disponível de quem está empregado.

Lima Gonçalves defende a revisão da Lei de Teto de Gastos, da qual sempre foi crítico desde a sua implementação em 2016. “Cumpriu em 2017, em 2018 com dificuldades, ano que vem vai precisar de um ajuste, se não for este ano”, analisa, afirmando que as dificuldades do setor público em fechar as contas no azul não são excessos de gastos, e sim a queda da arrecadação.

Na avaliação do economista do Fator, a regra do Teto de Gastos deveria autorizar uma parcela de investimentos públicos, e que puna o governo caso não a cumpra, diferentemente das regras atuais, cuja punição é sobre o excesso de gastos.

“O governo tem que contar uma história inteligente para não afetar o prêmio de risco”, recomenda o economista, afirmando que, para mudar a regra, é preciso capacidade argumentativa do governo federal para convencer a sociedade e, sobretudo, os parlamentares para efetivar a mudança, que somente é possível por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). No entanto, Lima Gonçalves não vê a possibilidade de a equipe econômica mudar o discurso de corte de gastos, que é defendido desde a posse do atual governo.

“Esse assunto [da política fiscal] vai ser da virada do ano”, prevê o economista, apontando a ata da última reunião do Banco Central Europeu (BCE), em que os formuladores de política monetária da instituição reivindica que a política fiscal seja ampliada para compensar a falta do gasto privado e, assim, evitar a estagnação econômica que é projetada para a zona do euro. “Essa recomendação é inédita”, afirma.

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