Política

Sob pressão, Bolsonaro alimenta fantasma da fraude enquanto tenta levar disputa ao segundo turno

30 set 2022, 12:45 - atualizado em 30 set 2022, 12:45
Jair Bolsonaro
Bolsonaro, de 67 anos, enfrentará o julgamento das urnas sobre seu governo neste domingo em uma inédita situação de desvantagem desde a adoção do instituto da reeleição há 25 anos, segundo pesquisas de intenção de voto (Imagem: REUTERS/Diego Vara)

Após atravessar acidentes de percurso e ignorar até mesmo seu comando de campanha, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vai apostar até o último minuto no desgaste do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) provocado por escândalos de corrupção para tentar levar a disputa eleitoral para o segundo turno, sonhando com uma improvável virada que lhe permita permanecer no Planalto.

Bolsonaro, de 67 anos, enfrentará o julgamento das urnas sobre seu governo neste domingo em uma inédita situação de desvantagem desde a adoção do instituto da reeleição há 25 anos, segundo pesquisas de intenção de voto, que não descartam inclusive uma vitória de Lula já neste domingo.

O militar reformado foi um fenômeno da extrema-direita em 2018, surfando nas redes sociais no antipetismo inflado pela operação Lava Jato contra um Lula preso, condenado por corrupção.

Com o impulso da superexposição por ter sido alvo de um atentado à faca, Bolsonaro elegeu também dois de seus filhos ao Legislativo e ainda emplacou uma bancada expressiva no Congresso, além de aliados “outsiders” nos Estados.

Quatro anos depois, o presidente tem o trunfo de ter se consolidado como um político de forte base popular, com amplo apoio em vários setores da sociedade, especialmente no agronegócio e entre os evangélicos.

É o antípoda inconteste de Lula, e seu movimento nacionalista conservador não tem rival na direita brasileira, que não conseguiu emplacar candidatos competitivos na disputa.

Ainda assim, Bolsonaro está sob pressão. A história da eleição gira em torno das consequências da crise econômica e social na esteira da pandemia de Covid-19 que matou quase 700 mil pessoas enquanto era desacreditada pelo mandatário, que minimizou consequências e militou contra vacinas e medidas de isolamento.

O pêndulo também mudou para seu rival, Lula, que teve as ações contra si anuladas pela Justiça e agora lidera uma coalizão que diz se contrapor à ameaça à democracia que seu adversário, que agita sem provas o fantasma de fraude nas urnas, representaria.

No entanto, é no sentimento anti-PT que Bolsonaro e sua equipe de campanha centraram –nem sempre de forma coordenada– sua artilharia em discursos, na propaganda oficial no rádio e na TV e nas redes sociais.

“Lula é o maior ladrão que passou pela história da humanidade”, vaticinou o presidente em comício em Campinas no sábado 24 de setembro, dia em que o adversário foi insultado mais de 10 vezes em 18 minutos de discurso.

Mas nem tudo que funcionou há quatro anos atrás dá frutos agora. Segundo pesquisa recente do Ipec, Lula tem 35% de rejeição, contra 51% de Bolsonaro, uma barreira que impede o presidente de crescer.

Sem balas de prata

Até as chamadas “balas de prata” imaginadas pelo QG bolsonarista tiveram alcance limitado. Nem a melhora dos índices econômicos nem o pacotaço de benefícios aprovado no Congresso, que aumentou em 50% o Auxílio Brasil e forçou a queda do preço dos combustíveis, atingiram a meta do início do ano de que, no máximo em julho, estaria empatado com Lula nas sondagens.

Curiosamente, o candidato à reeleição tem sido um novato em fazer campanha de forma tradicional, sem o impacto pelo uso das redes sociais que colheu na disputa passada.

Apesar de contar com milionários recursos da coligação centrista PL-PP-Republicanos, ao contrário da corrida pelo nanico PSL em 2018, Bolsonaro ainda tem feito uma campanha com grande doses de improviso, segundo fontes.

A expectativa era de ocorrer briefings temáticos e um porta-voz para lidar com demandas da imprensa, assim como a estruturação de comitês em cada um dos Estados e no Distrito Federal. Nada disso foi adiante.

A ala profissional da campanha também entrou em embate com os ideológicos –predominantes quatro anos atrás– quando tentou dar uma nova roupagem ao candidato. “Vou continuar fazendo o meu aqui e dane-se esse papo de profissionais do marketing… Meu Deus!”, disse o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), um dos principais responsáveis pela campanha vitoriosa em 2018.

Eleições 2022
Curiosamente, o candidato à reeleição tem sido um novato em fazer campanha de forma tradicional, sem o impacto pelo uso das redes sociais que colheu na disputa passada (Imagem: REUTERS/Ricardo Moraes)

Não bastasse esses desentendimentos, admitiu uma das fontes, o presidente dificultou o trabalho de conquista do eleitorado feminino.

A equipe convenceu a primeira-dama Michelle Bolsonaro a mergulhar na campanha do marido, mas ataques do presidente a mulheres, como ocorreu no debate da TV Bandeirantes, colocou o esforço a perder.

No embate com Lula no quesito corrupção, o presidente teve a bandeira abalada após ter vindo à tona reportagens do UOL no final de agosto sobre o uso de dinheiro vivo em 51 dos 107 imóveis comprados pela família do candidato à reeleição nos últimos 30 anos. A campanha chegou a detectar desgaste em relação a isso.

Contudo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um dos coordenadores da campanha à reeleição, recorreu à Justiça para censurar a publicação. Conseguiu temporariamente e comemorou essa decisão em rede social.

“Foi um erro terrível o vídeo do Flávio”, disse uma das fontes, ao avaliar que a decisão judicial de tirar do ar a reportagem, depois derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acabou por ressuscitar a história.

Em meio a esses reveses, Bolsonaro e aliados tentam manter o ânimo dos simpatizantes na reta final. A estratégia é desacreditar o resultado das pesquisas, destacar que o que vale é o “datapovo”, explorando motociatas, comícios e as manifestações como as de 7 de Setembro, um dos momentos em que demonstrou maior força popular.

Ainda há uma linha de atuação que é insistir publicamente que o presidente é quem vai se reeleger no primeiro turno –embora os levantamentos nacionais indiquem o contrário.

Nos bastidores, entretanto, há o temor de uma onda pró-Lula leve a um esvaziamento das candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) e a vitória do petista.

Michele e Jair Bolsonaro
A equipe convenceu a primeira-dama Michelle Bolsonaro a mergulhar na campanha do marido, mas ataques do presidente a mulheres, como ocorreu no debate da TV Bandeirantes, colocou o esforço a perder (Imagem: REUTERS/Ricardo Moraes)

“É uma preocupação real, tem havido convergência nas pesquisas, até mesmo as mais duvidosas, apontando um avanço de Lula”, admitiu uma das fontes.

Questionamento dos resultados

Nesse cenário desfavorável, ganha ainda mais corpo outra frente que Bolsonaro tem explorado desde o início da sua gestão –com reforço na campanha–, que é o figurino antissistema, com ataques à cúpula do Judiciário e questionamentos às urnas eletrônicas, usando sua ascendência hierárquica sobre os militares.

Aliados políticos e integrantes da campanha à reeleição, entretanto, sempre foram contrários a esse expediente porque não agregaria votos e reduziria a alta rejeição que ele tem.

Na campanha e mesmo no Ministério da Defesa, segundo fontes, se diz que não há qualquer tipo de plano –e apoio– para uma eventual ação golpista em caso de derrota.

A preparação para neutralizar o avanço desse tipo de ação ocorre há pelo menos um ano, após apoiadores do presidente, incentivados por seus ataques aos tribunais, terem tentado ocupar o Supremo Tribunal Federal em Brasília, inspirados pelo ataque de trumpistas em janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA.

Essas articulações públicas e de bastidores envolvem nomes da Suprema Corte, com e sem assento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e parlamentares, principalmente do Senado.

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, não vê esse tipo de turbulência acontecendo no Brasil, onde a certificação do presidente eleito é emitida pelo TSE, e não pelo Congresso.

“Não (acredito em repetição). Devagar as pessoas estão chegando a sua visão de que isso não vale a pena. A sociedade também reagiu em defesa da democracia”, disse ele à Reuters.

Entre os militares, que nunca desde 1985 tiveram tanta influência em uma administração como sob Bolsonaro, a previsão não aponta para episódios de tensão tampouco.

“As Forças Armadas seguem a legalidade”, destacou um alto oficial do Exército que acompanha as tratativas para um processo eleitoral tranquilo.

O militar elogiou o trabalho que o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, fez em aceitar sugestões dos militares como a inédita permissão de realizar no dia da eleição um teste-piloto de integridade das urnas eletrônicas com biometria.

O clima, no entanto, ainda é tenso entre o TSE e a campanha. O TSE de Moraes se apressou para rebater nesta semana um documento divulgado pela campanha do presidente que afirmou haver “riscos elevados” de quebra de segurança do sistema eleitoral, e classificou as alegações de falsas, antidemocráticas e com o intuito de atrapalhar as eleições perto do primeiro turno.

Também nesta semana, em uma live, o presidente voltou a subir o tom contra Moraes e o acusou, sem provas, de ser o responsável pelo vazamento de informações de um inquérito da Polícia Federal que apontaria o pagamento de transações suspeitas para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

“Alexandre, você mexer comigo é uma coisa. Você mexer com a minha esposa, você ultrapassou todos os limites, Alexandre de Moraes. Todos os limites. Está pensando o que da vida? Que você pode tudo e tudo bem? Você um dia vai dar uma canetada e me prender? Isso que passa pela tua cabeça? É uma covardia”, exaltou-se.

A dois dias do primeiro turno, integrantes da campanha admitem que Bolsonaro é “imprevisível”, ainda mais quando acuado –não apenas pelos números das pesquisas como por investigações que envolvem aliados e que tramitam no Supremo.

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