Quando se descobre, o estrago já está feito: Os riscos silenciosos do mercado para o investidor comum

Nem todo prejuízo no mercado financeiro nasce de um grande escândalo ou de uma crise sistêmica.
Às vezes, o dano aparece devagar, oculto em movimentações frequentes, em taxas repetidas, em decisões tomadas em nome do investidor — mas sem sua real ciência ou concordância.
E quando se descobre, o estrago já está feito.
É o que acontece, com mais frequência do que se imagina, com práticas como o churning.
O termo, usado para descrever o giro excessivo de ativos na carteira do investidor, define uma estratégia que não visa retorno, mas comissão. Um número grande de operações em sequência, muitas vezes sem fundamento técnico, cuja única função prática é gerar receita para quem intermedia.
Em exemplo prático observado na atuação profissional, cito um investidor de perfil conservador, idoso, com histórico de aplicações em renda fixa, que foi surpreendido ao verificar movimentações diárias envolvendo ações, derivativos e operações alavancadas.
Em uma delas, o mesmo ativo foi vendido em um dia e recomprado no seguinte a um preço mais alto, com perda imediata superior a R$ 5 mil — fora as taxas de intermediação. Tudo isso num intervalo de 24 horas. Um ciclo que se repetiu dezenas de vezes.
Mas não foi só o excesso de movimentações. Havia, também, operações realizadas sem qualquer autorização formal.
Produtos complexos, como COEs vinculados a empréstimos colateralizados, foram contratados com base em contatos telefônicos e e-mails genéricos, em alguns casos até sem assinatura válida ou sem qualquer documento acessível ao investidor.
Em outro trecho dos extratos, havia indicações de chamadas de margem, típicas de operações alavancadas com risco substancial — o que claramente não condizia com o perfil do investidor.
O ponto aqui não é apenas técnico. É estrutural. Quando um investidor de baixa familiaridade com o mercado é exposto a operações sofisticadas e de alto risco sem o devido esclarecimento, há um vício de origem que contamina toda a relação.
A legislação brasileira e a regulação da CVM são bastante claras sobre isso. Existe um dever de adequação, um dever de informação e um dever de diligência que não podem ser afastados sob nenhuma justificativa operacional.
É importante dizer: confiança não pode ser interpretada como autorização irrestrita. E tampouco pode ser usada como pretexto para impor ao cliente decisões que ele não compreendeu — ou que sequer autorizou.
Quando a vontade é presumida e a transparência é negligenciada, o risco jurídico se materializa.
Nesses casos, o Judiciário tem reconhecido o direito do investidor à reparação. Já há precedentes que tratam do churning como prática abusiva, da nulidade de operações realizadas sem ordem, e da devolução em dobro de taxas cobradas indevidamente.
A compreensão do Judiciário evoluiu — e há respaldo jurídico para quem enfrenta esse tipo de situação.
A lição que fica é simples, mas urgente: o investidor precisa desconfiar da movimentação excessiva, das ofertas urgentes, das promessas vagas.
E, acima de tudo, precisa se sentir no controle do que está acontecendo com o próprio patrimônio. Quando isso é perdido, o investimento deixa de ser estratégia e passa a ser exposição.
E, nesses casos, o Direito existe justamente para reequilibrar a balança.