Opinião

A latinização dos EUA – versão “O petróleo também é nosso!”

06 abr 2020, 13:44 - atualizado em 06 abr 2020, 13:52
Donald Trump
O presidente americano não hesitou em dizer que, se necessário for, irá tarifar o petróleo importado, de forma a manter um preço mínimo que sustente a indústria local (Imagem: REUTERS/Tom Brenner)

No livro Clash of Empires os autores Louis Gave e Charles Gave exploram a possibilidade de a moeda chinesa vir a ocupar uma maior relevância global diante de diversos eventos marcantes nas últimas décadas que podem ser qualificados como o uso indevido do dólar por políticos americanos.

Tal uso é normalmente descrito pela expressão “weaponization of the dollar” que pode ser traduzido como o uso da reserva de valor global como uma forma de coerção.

E é justamente neste sentido que interpretei a resposta dada ontem a noite por Trump a uma das mais importantes perguntas do momento: o que fará o governo americano para preservar sua indústria petrolífera em caso de uma intensificação nas tensões entre Rússia e Arábia Saudita com consequências nefastas ao preço do barril de petróleo?

O presidente americano não hesitou em dizer que, se necessário for, irá tarifar o petróleo importado, de forma a manter um preço mínimo que sustente a indústria local.

No livro Clash of Empires, os autores Louis Gave e Charles Gave exploram a possibilidade de a moeda chinesa vir a ocupar uma maior relevância global diante de diversos eventos marcantes nas últimas décadas

Complementou afirmando que o país é autossuficiente e que, por isso, pode viver perfeitamente sem adquirir petróleo importado.

Embora a resposta não aparente ter a relevância que busco transmitir aqui, ela representa um retrato da fragilidade de um sistema monetário global que está sob ataque.

Refiro-me a um ataque que ocorre em diversas frentes e é discutido em detalhes no livro mencionado acima. Por ora, entretanto, busco esclarecer o quanto tal “ameaça” americana representa, de fato, o uso do dólar como uma arma, com o objetivo de ditar o comportamento de importantes parceiros globais.

Primeiramente, é importante que o leitor entenda que a posição dos EUA como emissor da reserva de valor global é algo invejado por todas as nações.

Tal poder permite ao emissor, dentre inúmeras vantagens, captar recursos a custos extremamente baixos e exercer, através de política monetária determinada pelo seu banco central (o FED), uma enorme influência no ciclo econômico global.

Um emissor necessita ser um país forte, respeitado, ter poder bélico dominante, regras jurídicas claras e sólidas, e outros atributos.

Mais importante: um emissor necessita incorrer em déficits em conta corrente de forma a irrigar o mundo com suas reservas!

Em momentos em que a atividade econômica global diminui seu ritmo, o FED normalmente reduz o custo do dinheiro objetivando impulsionar a demanda por bens duráveis dos cidadãos norte-americanos.

Tal medida não só contribui para um maior nível de importação dos americanos, mas também para um maior endividamento global por parte de empresas estrangeiras que veem no dólar barato uma forma de se alavancar.

O processo culmina em um ciclo econômico de expansão (“boom”) e retração (“bust”) que, em muitos casos, pode ser monitorado através dos saldos em dólares depositados no FED em nome dos diversos bancos centrais ao redor do mundo.

Federal Reserve
O Fed normalmente reduz o custo do dinheiro objetivando impulsionar a demanda por bens duráveis dos cidadãos norte-americanos (Imagem: Reuters/Brendan McDermid)

O fato é que em épocas de crises há uma escassez de dólares fora dos EUA que faz com que haja desvalorizações cambiais em países emergentes e a quebra de empresas alavancadas.

O preço do petróleo desempenha um importante papel neste ciclo como um importante imposto global que promove transferência de riqueza entre países produtores e países consumidores de energia.

Ao conceber a hipótese de tarifar o petróleo importado, Trump está dizendo ao mundo praticamente o mesmo que disse o secretário do tesouro do governo Nixon, John Connaly, em 1971 ao dizer: “The dollar is our currency, but it’s your problem”. (O dólar é a nossa moeda, e você que se vire!)

Bem, devemos ser justos com Trump. Afinal, ele foi eleito com o slogan “America First!” (Vamos fazer a América para os americanos!).

Ele deixou de lado todo o trabalho feito na direção de uma maior participação americana na Ásia que viria através do TransPacific Partnership (TPP). Optou por meios bilaterais, praticamente tornando irrelevante a Organização Mundial do Comércio.

Ontem, em seu discurso noturno, ao ameaçar impor tarifas sobre o petróleo importado, deu uma importante contribuição para que a China, a Rússia e a Arábia Saudita se unam em busca de uma alternativa para o escasso dólar americano.

O mundo viveu 30 anos de uma expansão desinflacionária que foi, em parte, fruto de um processo de globalização iniciado pelo fim da Guerra Fria. É possível que um retrocesso já esteja em curso. As consequências poderão ser indesejáveis.

Opções e Mercados Globais
Formado em Finanças pela University of North Florida, em Jacksonville, Marink Martins é um dos maiores especialistas do Brasil em operações não direcionais, com especial foco em Opções e em volatilidade. Em seus mais de 20 anos no mercado financeiro, experimentou as euforias da Bolsa de Valores e sobreviveu às suas piores crises, tendo contato com as principias estratégias de investimento em Wall Street.
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