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Bruno Mérola: Os riscos de cabeceira dos gestores de multimercados

06 nov 2020, 12:24 - atualizado em 06 nov 2020, 12:24
Bruno Mérola
“Boa parte dos gestores renovou o otimismo com a Bolsa americana para o médio/longo prazo, especialmente na comparação com o Brasil”, diz o colunista (Imagem: Divulgação/Empiricus)

Sempre há aquela pessoa mais interessada apenas naquilo que pode dar errado e no que especificamente deve ser feito quando (e não se) der.

É verdade que nunca tivemos juros e dólar em posições tão extremas como atualmente, com potencial de, em condições normais, impulsionar consumo e exportações.

Também impressiona a quantidade de novos CPFs na B3 (B3SA3), compradores de quase tudo que negociou no primeiro semestre e de muito do que tem debutado no segundo.

E o que falar do setor de tecnologia, responsável por carregar a recuperação do mercado americano nas costas, preterindo, pelo menos até agora, a teoria de maior resiliência do “value investing” nas crises?

Liquidez global em abundância, rápida retomada dos dados de atividade chinesa e a possibilidade de um novo ciclo de commodities que implique em crescimento para países emergentes são, sem dúvida, bons drivers para uma recuperação vigorosa dos mercados local e global no ano que vem.

No entanto, tenho certa empatia para com o pessimista — ou realista, como todo pessimista se autodenomina — lá de cima.

A verdade é que não tenho demorado mais do que cinco minutos para introduzir “risco” em cada conversa com gestores de fundos que eu e minha equipe do Melhores Fundos de Investimento temos feito nas últimas semanas.

Juro que a ideia não é estragar a sexta festa dos 100 mil pontos apenas em 2020, mas é parte essencial da nossa diligência ao selecionar os melhores fundos analisar como seus gestores se posicionam e lidam com as incertezas.

Por exemplo, gostamos mais daqueles com pensamento probabilístico.

Em geral, os melhores gestores não se limitam a identificar os riscos e a arriscar um resultado binário, mas se aprofundam na teia complexa de consequências de cada um, utilizando sua vasta experiência para montar posições que se beneficiem ou protejam dos cenários de maior probabilidade.

Pessoalmente, ainda nutro um apreço maior pelos que demonstram uma veia talebiana. Esses respeitam a presença dos famosos “unknown unknowns”, eventos que ainda não conhecemos e que, portanto, somos impossibilitados de considerá-los como riscos a priori.

Sendo mais preciso, os cisnes negros de Nassim Taleb não compartilham apenas dessa, mas sim de outras duas premissas.

Além de serem raríssimos a ponto de escaparem dos modelos de previsão tradicionais (outliers entre outliers), esses eventos também devem causar um impacto de magnitude desproporcional e, por fim, devem parecer bastante óbvios após o ocorrido.

Mas não é desses eventos de que tratamos em nossas reuniões, pelo paradoxo dessa própria afirmação.

Então faço questão de dividir com os leitores as quatro principais preocupações que têm tirado o sono dos grandes gestores de fortuna do país, especialmente de fundos multimercados — nenhum favoritismo, apenas pelo menor viés em relação ao próximo alfa a ser capturado.

De fora para dentro, a primeira delas é, sem dúvida, o risco de uma segunda onda de Covid-19 e seus impactos.

O receio vem da nossa memória recente: fábricas e serviços essenciais suspensos e a quebra de cadeias produtivas causada por todo tipo de restrição de mobilidade.

O cenário-base, porém, é positivo. Há um mês, todos estavam preocupados com o avanço da pandemia. Hoje, com uma aparente menor letalidade, seja por protocolos de tratamento mais eficientes e/ou ágeis, por alguma mutação do vírus ou simplesmente pelo efeito no denominador de mais testes sendo feitos, esse é um risco negativo que tem diminuído — pelo menos na percepção dos gestores —, ao mesmo tempo em que nos aproximamos do risco positivo da descoberta de uma vacina.

Nos portfólios, a principal mudança nesse sentido foi uma redução generalizada de posições compradas em euro contra dólar que muitos carregavam nos últimos meses.

Na sequência, há o risco eleitoral americano.

Melhor dizendo, há mesmo um risco eleitoral americano?

O assunto do momento tem tido baixa relevância prática nos portfólios dos gestores, parecendo mais fonte de volatilidade do que de uma mudança brusca de direção para a Bolsa americana.

Pode parecer loucura, mas esta era uma preocupação muito maior no período pré-pandemia do que é hoje. Alguns dos gestores que ganharam bastante dinheiro em março, aliás, estavam posicionados em proteções para uma queda da Bolsa americana como para após a definição do candidato democrata que enfrentaria Trump. O cisne negro acabou pagando a conta do cinza chamado Bernie Sanders.

Para não generalizar, tenho ouvido dos gestores duas situações que podem jogar água no chope: ambas com Biden presidente.

Na primeira, com os republicanos mantendo o Senado, há a possibilidade de fazerem uma oposição forte e com isso o próximo pacote fiscal para a economia americana ser mais aguado, talvez metade do que se tivessem a maioria absoluta.

E a segunda, com os democratas dominando o Executivo e o Legislativo, diz respeito ao outro lado da moeda: possíveis exageros fiscais compensados por aumentos de tributos.

De todo modo — e agora generalizando —, boa parte dos gestores renovou o otimismo com a Bolsa americana para o médio/longo prazo, especialmente na comparação com o Brasil.

O terceiro risco, ainda no campo global, mas tangenciando bem mais nosso cercadinho, é o de inflação, digo, reflação.

Após o choque desinflacionário causado pela pandemia, é natural que um repique aconteça e, de fato, muitos gestores conseguiram ganhar dinheiro com o trade de inflação implícita no Brasil nos últimos meses.

Ao comprar NTN-Bs e vender prefixados, os gestores de multimercados apostam na diferença relativa entre os dois títulos, que é justamente a inflação precificada pelo mercado. É uma maneira de apostar na alta pura da inflação, mitigando os efeitos de um aumento de risco fiscal ou de decisões de política monetária.

Porém, mesmo que um gestor tenha citado até a “reflação da vacina”, aquela que fará todos saírem às ruas quase que imediatamente e os serviços se normalizarem no mesmo momento em que a produção ainda não foi capaz de repor os estoques de bens de consumo, o consenso é que não passa de um efeito temporário.

Em outras palavras, esses investidores acreditam que o IGP-M, que acumula quase 21% em 12 meses, provavelmente não está grávido do IPCA (este em aceleração) como se diz por aí, mas apenas deve ter comido demais e, em algum momento, precisará recuperar sua forma física.

Dinheiro 4
Pesadelo de 9 entre 10 gestores, [a situação fiscal brasileira] é o principal driver hoje das carteiras locais de fundos multimercados”, afirma Mérola (Imagem: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Não dá para falar de inflação sem citar o último — e mais preocupante — risco: a situação fiscal brasileira.

Pesadelo de 9 entre 10 gestores, este é o principal driver hoje das carteiras locais de fundos multimercados. É o que faz os gestores não apertarem o gatilho em Bolsa e não apostarem com mais força no real contra o dólar — mesmo que muitos estejam positivos com uma desvalorização global do dólar e com liquidez para emergentes.

Nosso calcanhar de Aquiles desde que o mundo é mundo, o flerte inicial com o furo do teto de gastos, a indefinição de uma solução para a prorrogação do auxílio emergencial, a disputa pela Comissão Mista de Orçamento, a dificuldade do Tesouro em rolar suas dívidas e o atraso das reformas são todos elementos de um mesmo roteiro de filme de terror.

Das conversas recentes que tivemos, de um lado há aqueles que acreditam na metáfora do “cercadinho” de Paulo Guedes, na qual o Brasil sempre dá um jeito de voltar à mediocridade, mesmo sem saber muito como; de outro, há os que acham que a situação é insustentável desta vez, e que o presidente pode ter tomado gosto pelo populismo eleitoral mais clássico, via dinheiro no bolso.

Para ambos os casos, são poucos os gestores — alguns bem relevantes, no entanto — que estão arriscando comprar títulos prefixados de curto prazo, pois apesar da curva já precificar praticamente um ano inteiro de aumentos em 2021, a memória é recente demais e a assimetria desfavorável demais para apostarem nessa ponta.

Já em Bolsa, caiu no gosto (ou na necessidade) dos gestores em 2020 as operações long and short, mais táticas, de valor relativo, em que eles buscam se apropriar de distorções, principalmente, entre ações, entre vértices da curva de juros ou até, no caso da inflação implícita, entre as curvas real e nominal.

Além disso, aqueles com mais perfil de hedge fund, isto é, com flexibilidade para investir globalmente, têm preferido concentrar os ativos de risco fora do Brasil e manter posições bem leves por aqui.

Dessa maneira, conhecendo um pouco do que está passando pelas mentes mais brilhantes do mercado e que fazem a gestão de algumas centenas de bilhões de reais, você pode tomar melhores decisões de investimento.

Se tiver interesse, é claro, em mergulhar conosco neste universo de fundos, da renda fixa a alguns dos principais gestores de hedge funds globais, você é meu convidado para conhecer a série Os Melhores Fundos de Investimento.

Um abraço,

Bruno Mérola.

Especialista em Fundos de Investimento, CFA, CFP®, CGA
Engenheiro com especialização em finanças, passou quase cinco anos no Itaú Unibanco. No Itaú Private Bank, fazia recomendações de investimentos para os Ultra High-Net-Worth Individuals (UHNWI) - em bom português: os clientes mais ricos e exigentes do Brasil. Atualmente, é o responsável da Empiricus pela série Os Melhores Fundos de Investimento.
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Engenheiro com especialização em finanças, passou quase cinco anos no Itaú Unibanco. No Itaú Private Bank, fazia recomendações de investimentos para os Ultra High-Net-Worth Individuals (UHNWI) - em bom português: os clientes mais ricos e exigentes do Brasil. Atualmente, é o responsável da Empiricus pela série Os Melhores Fundos de Investimento.
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