Colunistas

Felipe Miranda: a certeza e a confiança dos ignorantes

30 mar 2020, 12:09 - atualizado em 30 mar 2020, 12:09
“A esta altura, está um tanto claro que aquilo que não sabemos é muito maior e mais importante do que aquilo que sabemos”, refletiu o colunista

“O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.” A frase é atribuída a Bertrand Russell, aquele mesmo da parábola do peru de Natal, tão cultuada por Nassim Taleb e talvez a melhor metáfora para o problema da indução de David Hume.

A esta altura, está um tanto claro — ou, ao menos, deveria estar claro — que aquilo que não sabemos é muito maior e mais importante do que aquilo que sabemos. Talvez ainda mais relevante: quanto mais nos debruçamos sobre o vírus, mais percebemos que, por enquanto, não conseguimos tecer com o mínimo de precisão seus reais impactos sobre as economias, os lucros das empresas, o cotidiano das pessoas. É uma espécie de paradoxo socrático sobre a pandemia.

De todos as opiniões que li, somente aquela de Rubens Ometto me pareceu adequada, porque ela é uma “não opinião”. Sobre a fórmula para sair da crise, Binho disse coisas assim: “qualquer coisa que se fale, é chute”; “precisa dar um tempo para ver para onde vai”; “ninguém tem certeza. Quem diz ter certeza é um jogador”.

As demais opiniões me parecem sempre carregadas de um falso saber que, na verdade, podem se mostrar um grande mapa errado. E, como sabemos, não ter mapa é melhor do que ter um mapa errado. E há algo ainda mais curioso nessa história toda: como o mercado financeiro elege seus próprios heróis e vilões, muitas vezes, sob as forças da aleatoriedade e sob a influência do humor da deusa Fortuna, metade daqueles que apontarem enfaticamente numa direção serão vistos como grandes sábios. Para uns, o mercado agora é uma reta ascendente em direção aos 100 mil pontos. Outros estão convictos de que logo testaremos novas mínimas.

Quem está certo? Para mim, nenhum dos dois. Nós simplesmente não sabemos. Porque não há como saber. Tudo o que enxergamos é uma distribuição de probabilidades à nossa frente. Mas, à frente, a História contará apenas um dos eventos dessa distribuição de probabilidade, e tudo aquilo que poderia ter sido (mas não foi por capricho da Fortuna) jamais será revelado.

Aqueles que, irresponsável e convictamente, apontaram na direção que, a posteriori, se provou “certa”, serão os heróis dos próximos anos. Até, claro, que a aleatoriedade venha a tirar-lhes o posto. Reversão à média. Iludidos pelo acaso.

Até quando dura o lockdown? Trump falava até a Páscoa — agora já vamos para o final de abril e, segundo corre à boca pequena, talvez adentremos o mês de maio por lá.

E no Reino Unido? Alguns meses a mais trancados em casa? Não seria o distanciamento vertical uma melhor saída? Podemos confiar no Imperial College? As medidas de estímulo monetário e fiscal serão suficientes para evitar uma grande depressão? E qual será o tamanho da recessão? É possível fazer distanciamento vertical num país como o Brasil, em que o neto dorme na sala com mais quatro irmãos, a mãe e os avós? Se você não tem muito espaço fiscal, como reage a uma crise sem precedentes como esta? No pós-crise, como lidaremos com a herança de uma dívida/PIB superior a 85%? Como ficam os países emergentes com o barril do petróleo na casa dos US$ 20? A crise política doméstica pode escalar diante do comportamento do presidente, cujas postagens são apagadas pelo próprio Twitter? E as demais lideranças que querem usar do momento para ganho político próprio?

Escolha entre seu cenário favorito: i) distanciamento horizontal por muito tempo e uma brutal recessão; ii) distanciamento horizontal por pouco tempo, com liberação para o vertical na sequência, com riscos de uma brutal taxa de mortalidade e colapso do sistema de saúde (antes de contra-argumentar, considere a viabilidade de realmente se isolar os idosos num país pobre, em que jovens e velhos se amontoam num cubículo qualquer); e iii) distanciamento horizontal por muito tempo com pacote de socorro amplo mediante a estímulos governamentais, com explosão da consolidação fiscal e relação dívida sobre PIB bem alta para um país emergente.

“Discorrer sobre um equilíbrio entre a saúde (as vidas) e a economia é bacana e aparentemente inteligente, mas como encontrar esse equilíbrio na prática?”, indagou o CIO da Empiricus (Imagem: REUTERS/Bruno Domingos)

Não existe saída fácil. Cobertor curto. Discorrer sobre um equilíbrio entre a saúde (as vidas) e a economia é bacana e aparentemente inteligente, mas como encontrar esse equilíbrio na prática? Quais são os detalhes desse plano de equilíbrio, sendo que o diabo mora justamente nos detalhes?

Há mais dúvidas do que respostas. O próprio mercado tenta nos transmitir isso. O VIX, batizado de “índice do medo”, está acima de 64 pontos, tentando nos mostrar a dispersão de resultados possíveis. Ele mesmo quer nos contar que “não sabe”.

Normalmente, nós não sabemos o futuro. Essa não é uma característica especial deste momento. Mas há algo particular agora: o excesso de neblina à frente e uma distribuição de probabilidade com uma dispersão de resultados possíveis enorme, sendo que podemos encontrar boas assimetrias entre os cenários potenciais. Eu topo apostar mediante a incerteza, contanto que haja uma boa assimetria entre o que posso ganhar e o quanto posso perder.

Nesse caso, nem sequer posso estimar com precisão o quanto posso perder. No limite, estamos literalmente falando de sobrevivência e isso, definitivamente, não é uma boa assimetria.

As respostas não estão na mesa agora. Ninguém as tem. Embora alguns — os mais perigosos — se aprontem a berrá-las aos quatro cantos. O jogo é longo, volátil e incerto. Aos mais ansiosos, lamento informar, mas a volatilidade deve persistir por um bom tempo ainda e as dúvidas não serão endereçadas em sua totalidade amanhã ou nos próximos dias.

A construção patrimonial é uma maratona, não uma corrida de 100 metros — saber a prova que você está correndo é fundamental para o sucesso; um fundista e um velocista são coisas bem diferentes. Se você correr uma maratona como um velocista, as chances de isso terminar bem não me parecem muito grandes.

O momento requer paciência, disciplina e dilatação dos horizontes temporais. Há uma semana, o mundo iria acabar. Na quinta-feira, o bear market estava encerrado e deixávamos para trás as preocupações, rumo a uma rápida recuperação em V — subimos mais de 20% em três pregões! Na sexta, não era bem assim (-5,5%, com um mergulho do índice no fim do dia). E hoje já nem sei — quando comecei a pensar neste texto, ontem à noite, os futuros do S&P 500 caíam 2% e o petróleo vinha abaixo de US$ 20 por barril; agora os futuros de S&P 500 sobem 0,9% e não faço ideia de como estarão no momento em que você ler estas pobres linhas.

Apesar de tanta incerteza, gostaria de encerrar com algumas mensagens positivas — porque hoje é segunda-feira e ninguém merece:

i. os próximos dias poderão dispersar ao menos uma boa parte das nuvens que se colocam sobre nós. Hoje e amanhã, ainda estaremos sob a influência de um típico rebalanceamento de portfólio de grandes investidores institucionais feito nos finais de trimestre.

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As respostas não estão na mesa, ninguém as têm agora (Imagem: Pixabay/mohamed_hassan)

Como houve uma queda brutal das ações, muitos fundos, para se enquadrarem em suas alocações estruturais, precisam redirecionar novos recursos para a renda variável. Isso cria uma força compradora quase compulsória e provoca short squeeze em algumas situações. Paul Tudor Jones tem sido bastante vocal sobre isso desde a semana passada. O Deutsche Bank estima que até 3% da capitalização bursátil pode ser adicionado às ações — isso é muita coisa.

Passada a terça-feira, sem esse elemento técnico, podemos ver como se comporta o mercado, para ver se o movimento da semana passada foi algo mais estrutural ou se foi apenas um “bear-market rally” (um mero repique ainda num mercado de baixa).

ii. também nesta semana teremos importantes indicadores já medindo o ritmo das economias sob os efeitos da crise. Então, o impacto ficará um pouco mais claro e isso vai permitir aos analistas começar a fazer conta com mais precisão. Note que, aqui mesmo, já há revisões para o nosso PIB — as novas projeções apontam um recuo superior a 3% neste ano (e não me assustaria se outros viessem já entre 4% e 5%).

iii. a despeito da discussão muito centrada em questões sistêmicas, há várias oportunidades surgindo decorrentes de teses micro e idiossincráticas. Casos particulares que ficaram muito atrativos para compra. Na semana passada, por exemplo, adicionamos dois novos nomes à Carteira Empiricus — isso, claro, trouxe ao portfólio uma maior exposição à renda variável, mas o movimento não aconteceu por uma decisão macro ou sistêmica; ele aconteceu pela identificação de uma oportunidade em duas empresas com dinâmica mais própria, cujos valuations ficaram incrivelmente baratos.

iv. talvez tenha havido um exagero na parte curta da curva de juros brasileira. Esqueçamos o longo por enquanto, porque ali é um jogo de risco-país e dinâmica fiscal, para a qual podemos estar diante de uma bomba-relógio. Mas, com o apaziguamento da taxa de câmbio e os indicadores de inflação até agora, talvez as taxas voltem à normalidade.

Aqui e ali, vão surgindo oportunidades. A gente vai pinçando, sem que precisemos defecar uma sapiência que não temos sobre epidemias, dinâmicas complexas, melhores práticas de política pública, número de leitos hospitalares. No mercado, você não precisa ser o mais inteligente. Você está neste jogo para ganhar dinheiro.

CIO e estrategista-chefe da Empiricus
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
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