Reportagem Especial

Israel x Irã: Quanto mais o conflito ainda pode crescer?

30 abr 2024, 12:15 - atualizado em 03 maio 2024, 13:05
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Contagem regressiva: ataque do Irã contra Israel, em 14 de abril, deve se repetir, mas não no curto prazo (Imagem: REUTERS/ Amir Cohen)

O envolvimento direto do Irã na guerra entre Israel e Hamas é um capítulo inédito e preocupante dos conflitos no Oriente Médio. Em meados de abril, pela primeira vez na história, os iranianos atacaram diretamente o território israelense, em resposta a um suposto bombardeio de Israel à embaixada do Irã na Síria. Rapidamente, poderosos aliados dos dois países procuraram evitar uma escalada do confronto Israel-Irã. Mas, até que ponto isso é possível? Quem ganharia ou perderia com uma guerra aberta entre israelenses e iranianos?

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Parte da resposta passa por compreender a mudança de postura do Irã. Em termos gerais, ao longo dos últimos seis meses de guerra Israel-Hamas, o Irã intensificou a pressão sobre Israel e os Estados Unidos por meio de seus aliados regionais, mas sem se envolver diretamente no confronto.

Além do Hamas, que trava uma guerra direta contra Israel, o grupo radical Hezbollah, do Líbano, vem trocando ataques de intensidade baixa com as Forças de Defesa de Israel na fronteira entre os países, no sul do Líbano. A partir de março, porém, o medo de que Israel declarasse guerra ao Hezbollah cresceu.

“Acredito que o Irã continuará a fazer tudo o que puder para pressionar Israel e manter o apoio tanto ao Hamas como ao Hezbollah”, diz Gregory Brew, especialista sobre o Irã e energia da Eurasia. “Essa é a primeira vez que o Irã ataca diretamente Israel, mas é pouco provável que seja a última.”

No entanto, Brew acredita que podemos descartar mais ataques entre os dois no curto prazo, pois ambos os intervenientes querem desacelerar seus confrontos diretos e manter o foco entre Israel e Hamas. Para o especialista, os dois rivais tentam acalmar os ânimos: Israel quer terminar sua operação em Gaza e o Irã quer reforçar sua influência e poder na região contra o Estado de Israel.

De qualquer modo, segundo os especialistas ouvidos pelo Money Times, é inegável que, ao intervir diretamente no conflito Israel-Hamas, o Irã aumentou seu peso no xadrez geopolítico. Ao afirmar recentemente que não medirá esforços para apoiar a resistência palestina, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, não apenas explicita seu apoio ao Hamas, mas também procura assegurar a influência de seu país na região.

Conselho de Segurança da ONU age como bombeiro, mas até quando?

Para Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM, é importante reforçar que o Conselho de Segurança da ONU não tem vontade própria. Ou seja: por se tratar de um foro multilateral permanente de diálogo, ele expressa as vontades de seus países membros, por meio de uma votação.

“Há um mito de que o Conselho de Segurança da ONU decide, como se houvesse uma opinião própria e que foi tomada pela ONU. Mas o conselho foi criado justamente para que as grandes potências dialoguem e evitem conflitos como o das duas grandes guerras mundiais”, explica o especialista.

Criado em 1945, o Conselho de Segurança da ONU é um órgão multilateral, cujo mandato é zelar pela manutenção da paz e segurança mundial. Ele é composto por cinco membros permanentes – Estados Unidos, China, Rússia, França e Grã-Bretanha, e membros rotativos, do qual o Brasil faz parte.

Seguindo essa premissa, é unânime entre os especialistas ouvidos pelo Money Times de que os membros permanentes do Conselho tenham feito pressão para que Israel e Irã não intensifiquem o conflito.

No caso da Rússia, o país não tem interesses e nem condições para apoiar seu aliado, Irã, por estar concentrada na guerra com a Ucrânia. Além disso, os Estados Unidos, apesar de o Congresso americano ter liberado para votação no Senado mais um pacote de ajuda financeira à Israel, não é de interesse que a guerra na região se acentue, principalmente pela iminência das eleições americanas.

“Todos os principais Estados envolvidos querem ver uma desescalada [no conflito]. Os EUA têm feito pressão para que Israel diminua a escalada após o ataque do Irã, e parece que estes esforços foram bem sucedidos, uma vez que a resposta de Israel foi bastante pequena”, diz Gregory Brew, da Eurásia. “Já Rússia e China, que são aliados do Irã, também exercem pressão para que não haja algo pior.”

Além de toda questão geopolítica, o receio de um impacto negativo na economia mundial com alta no preço do petróleo também faz com que a situação no Oriente Médio seja vista com cautela pelos membros do Conselho. Isso porque uma alta no preço do petróleo seria refletida na disparada na inflação dos Estados Unidos, e postergaria o início do corte de juros do Federal Reserve (FED), Banco Central americano, o que não seria interessante para o mundo como um todo.

Irã x Israel: Tensão passa da troca de acusações à troca de mísseis

Embora os nervos no Oriente Médio estejam à flor da pele desde 7 de outubro do ano passado, quando o Hamas realizou um ataque surpresa contra Israel com mísseis e homens armados, causando mais de 1.200 mortes, deixando 250 reféns, e levando os israelenses a declararem guerra contra o Hamas, a temperatura subiu consideravelmente em abril, com a intervenção direta do Irã.

Após acusar Israel de bombardear a embaixada iraniana na Síria, o Irã atacou pela primeira vez na história Israel, e fez com que países como Estados Unidos, China, Rússia e, inclusive, o Brasil, ficassem em alerta com uma possível escalada da guerra.

O imbróglio começou no dia 1º de abril, quando a embaixada iraniana na Síria foi supostamente atacada pelo exército israelense, matando ao menos sete membros da Guarda Revolucionária, entre eles Mohammad Reza Zahedi, comandante sênior da guarda e integrantes da Força Qoods, braço de operações exteriores do grupo do Irã.

O local foi bombardeado por seis mísseis disparados de caças F-35, e embora Israel não tenha se pronunciado, o governo iraniano responsabilizou o país pelos ataques. Como resposta, na noite do dia 13 de abril, pela primeira vez, o Irã realizou ataques diretos contra o território israelense.

Foram lançados mais de 300 drones e mísseis, a fim de testar a qualidade de defesa de Israel e mostrar o poderio bélico do Irã, que contou com apoio de países como Iêmen e o Líbano, onde o regime iraniano conta com aliados, como o grupo insurgente Hezbollah.

Não demorou para o caso repercutir internacionalmente, com o receio de uma escalada maior na guerra que vem devastando a região. Além da ONU repudiar os ataques, Estados Unidos, Reino Unido e o Brasil repudiaram publicamente novos ataques – o que, porém, não demorou muito para acontecer.

Conforme o esperado, no dia 18 de abril Israel revidou, contrariando não apenas os Estados Unidos, como também grande parte da população israelense, que já havia se manifestado contra um ataque do país ao Irã. É o que mostrou  pesquisa realizada pela Universidade Hebraica de Jerusalém, que concluiu que cerca de 75% dos entrevistados não apoiam a retaliação contra o Irã, caso isso prejudique as relações de Israel com seus aliados.

O governo de Benjamin Netanyahu, porém, mais uma vez, parece não ter ouvido sua população, e mandou atacar uma base militar iraniana em Isfahan, uma das maiores cidades iranianas, famosa por suas instalações e pesquisas nucleares.

Enquanto especialistas acreditam que a retaliação tenha sido moderada e uma clara mensagem de que nenhum dos países quer que a tensão escale para outro patamar, Ebrahim Raisi, presidente do Irã, afirmou no último dia 22, em viagem de negócios ao Paquistão, que a República Islâmica do Irã continuará apoiando a resistência palestina, demonstrando que o conflito na faixa de Gaza entre Israel e Hamas  está longe de cessar – até por influência iraniana.

Indiferença, hostilidade e um empurrão de Donald Trump

Engana-se quem pensa que as relações entre os países tenham sempre sido conflituosas. Isso porque, em 1947, após o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter votado para criar dois Estados, Israel e Palestina, o Irã seguiu na direção contrária dos países árabes e, em 1948, reconheceu o Estado de Israel – atrás apenas do Egito, que foi o primeiro país árabe a reconhecê-lo.

A situação, no entanto, mudou a partir de 1979. Após a Revolução Islâmica dos aiatolás, que conquistou o poder em Teerã, o país passou se tornou praticamente uma teocracia, onde, mesmo tendo um presidente eleito, a república islâmica é quem rege o país.

Nesse novo regime, uma das premissas do governo islâmico é rejeitar a figura “imperialista” americana e israelense, além de afirmar lutar a favor dos povos oprimidos. Dessa forma, o novo regime dos aiatolás rompeu as relações diplomáticas com Israel, e passou a reconhecer o passaporte do povo palestino, em vez do israelense.

Outro ponto importante é que, a partir de então, o Irã passou a se projetar como uma potência islâmica na região, insuflando a aversão a Israel e lutando a favor da causa palestina, seja em influência, ou supostamente financiando grupos insurgentes como o Hamas.

“Até a década de 1990, vivíamos no que chamamos de ‘Paz Fria’, porque não existia interação direta entre Irã e Israel. Basicamente, o Irã não reconhecia Israel por conta da Palestina, mas os países não interagiam entre si”, diz Rodrigo Amaral, membro do Grupos de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP. “A virada de chave foi quando Israel passou a entender que o Irã alimenta e fomenta grupos insurgentes, como o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, na Palestina”, completa.

Para além do suposto financiamento do Irã a grupos insurgentes, outro ponto que agrava a crise diplomática entre os países é a suspeita de que os iranianos estejam incrementando seu programa nuclear, a fim de construir e armazenar armas nucleares – algo não previsto (e muito menos aprovado) pelo Conselho de Segurança da ONU e que colocaria em xeque a hegemonia bélica de Israel na região, assim como a influência dos EUA no mundo.

“Toda essa questão nuclear estava controlada, e o Irã chegou a reduzir seu programa nuclear num acordo firmado entre os 5 países permanentes do Conselho mais a Alemanha”, diz Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM.

“O fato voltou a degringolar, quando o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra a vontade dos militares e diplomatas, deixou o acordo. Desde então, as tensões entre os países e aliados voltaram a crescer”, afirma.

Relembre a escalada do conflito Irã-Israel em abril:

1º de abril: Israel supostamente bombardeia a embaixada do Irã na Síria. O ataque, que não foi confirmado por Israel, matou 3 comandantes da Guarda Revolucionária iraniana, sendo um deles o comandante da tropa de elite Mohammad Reza Zahedi. No mesmo dia, o Irã alertou à ONU o direito internacional de revidar ao ataque, que considerou uma agressão terrorista.

5 de abril: O ataque israelense faz o grupo terrorista do Líbano, Hezbollah, se manifestar contra Israel. Sayyed Hassan Nasrallah, chefe do grupo, afirmou internacionalmente que o Irã responderia ao ataque em breve.

11 de abril: O governo iraniano, liderado por Ebrahim Raisi, sinaliza à Casa Branca, nos Estados Unidos, que a resposta ao ataque será contida.

13 de abril: Pela primeira vez, o Irã realizou um ataque direto contra o território de Israel, como retaliação ao suposto ataque de Israel com mais de 300 drones e mísseis.

18 de abril: Israel revidou ao ataque. Como alvo, escolheu uma base militar em Isfahan, uma das maiores cidades iranianas e que conta com instalações nucleares.

18 de abril: Conselho de Segurança da ONU barra adesão da Autoridade Palestina como Estado membro da entidade.

22 de abril: Em viagem ao Paquistão, Ebrahim Raisi, presidente do Irã, afirmou que continuará a apoiar a resistência palestina e promete aniquilar Israel caso haja outro grande ataque.

Jornalista especializada na cobertura de economia e negócios globais. Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, possui MBA em relações internacionais pela FGV. Ao longos dos 13 anos de carreira, passou por veículos como Exame, IstoÉ Dinheiro e CNN. Na Creditas, foi líder da área de conteúdo da fintech. Nos últimos 3 anos, foi sócia-diretora do núcleo de conteúdo e digital da agência VCRP. Em 2016, ganhou a 28ª edição do Prêmio BM&FBovespa de Jornalismo, com a reportagem “Sua empresa precisa de um toque feminino", publicada na IstoÉ Dinheiro.
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