Coluna
Heverton Peixoto

O atual paradoxo do Governo sobre os empréstimos consignados

01 jun 2025, 12:00 - atualizado em 29 maio 2025, 11:11
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Crédito consignado do INSS bloqueado: medida busca combater fraudes, mas gera preocupação entre beneficiários que dependem desse recurso. (Imagem: Depositphotos)

Nas últimas semanas, o que era uma facilidade se tornou motivo de preocupação: o governo federal anunciou o bloqueio temporário de todos os novos descontos em folha para empréstimos consignados do INSS.

A decisão foi motivada por denúncias de fraudes e irregularidades, como assinaturas falsificadas e descontos indevidos, aplicados sobre os benefícios de aposentados e pensionistas. A medida tem como objetivo reforçar a segurança e a proteção desse público, especialmente após os últimos escândalos envolvendo práticas abusivas de instituições financeiras e associações.

O crédito consignado não é uma novidade na história do Brasil. A ideia geral existe antes mesmo de haver qualquer regulamentação. É importante ressaltar que, atualmente, existem dois tipos de consignados, com diferentes origens: iniciativa privada (bancos) e governo.

Entenda como funciona o crédito consignado no Brasil

O formato atual foi aprovado por Medida Provisória em 2003, para aposentados e pensionistas e, em março de 2025, houve a ampliação para a iniciativa privada por meio do Crédito do Trabalhador, no qual as parcelas são descontadas do salário do trabalhador CLT, direto na folha de pagamento.

Desde o final de abril, o Crédito do Trabalhador também pode ser contratado através das plataformas de bancos privados, o que pode facilitar o processo, permitir a comparação de taxas e condições e possibilitar o acesso a mais instituições financeiras. Por meio do consignado privado, o trabalhador também pode requerer portabilidade do crédito para outros bancos, buscando as melhores condições de juros.

O atual bloqueio, no entanto, deve-se à investigação da Polícia Federal sobre fraudes relativas ao ano de 2023, antes da aprovação do Crédito do Trabalhador. De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em 2023 foram realizadas 23,3 milhões de operações de crédito consignado para beneficiários do INSS, num total de R$ 79 bilhões.

Apesar de a Febraban afirmar que, entre 2020 e 2025, houve queda de 79% nas reclamações por fraudes, a operação da Polícia Federal denunciou o desconto irregular de mais de R$ 6 bilhões dos saldos de aposentados e pensionistas.

Impactos do bloqueio no bolso dos beneficiários

Esse movimento de bloqueio dos descontos, embora compreensível sob o ponto de vista da proteção social, acende um alerta sobre uma questão igualmente sensível: o impacto direto que no planejamento financeiro de milhões de brasileiros, que dependem do consignado como principal — e muitas vezes única — forma de acesso ao crédito.

O bloqueio impede que novas operações de empréstimo consignado sejam, automaticamente, descontadas do benefício. Empréstimos já em andamento continuam sendo cobrados normalmente, mas nenhum novo desconto pode ser averbado sem a autorização expressa do beneficiário, através do aplicativo Meu INSS.

As linhas de crédito consignado, por sua natureza, oferecem juros mais baixos e condições mais acessíveis, exatamente por contarem com a garantia do desconto direto na folha de pagamento de pensionistas, aposentados e dependentes de auxílios (auxílio-doença ou salário-maternidade).

Para muitos beneficiários do INSS, as linhas de crédito consignado são a única alternativa viável para lidar com emergências, despesas médicas, reformas, apoio à família ou até mesmo para manter seu pequeno negócio. Na falta dela, uma alternativa àqueles que possuem um veículo é o Car Equity, que usa o próprio veículo como garantia para ter acesso ao crédito.

Suspender esse acesso, ainda que temporariamente, é comprometer uma rede de apoio essencial para a estabilidade financeira de famílias de baixa renda. O INSS entrou com recursos junto ao governo, mas foram negados, por unanimidade, pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Ao mesmo tempo, não se pode ignorar a realidade: houve, sim, falhas graves no sistema, com instituições financeiras, que se aproveitaram da vulnerabilidade de um público que, muitas vezes, não tem acesso pleno à informação ou à educação financeira.

É papel do Estado fiscalizar, auditar e punir os excessos e fraudes. A implementação de medidas de segurança, como a exigência de biometria facial para novos contratos, vai na direção certa e deve ser ampliada.

No entanto, é fundamental que essas ações corretivas não resultem em um efeito colateral prejudicial: o sufocamento do acesso legítimo ao crédito. Rever práticas abusivas não pode significar penalizar os brasileiros que precisam do crédito e agem dentro da lei.

Manter o acesso responsável ao crédito consignado é garantir dignidade e autonomia financeira a milhões de brasileiros, além de manter a fluidez do próprio mercado de crédito no país – que, por sua vez, garante também maior acesso ao consumo e contribui para o crescimento econômico do Brasil.

É possível – e necessário – encontrar o equilíbrio entre proteção e acesso. Esperamos que a correção dos abusos não venha ao custo da exclusão.

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CEO da Omni
CEO da Omni. Graduado em Engenharia Civil com MBA em Corporate Finance no Insead, França. Possui experiência relevante de mais de 15 anos em diferentes indústrias e segmentos, tendo atuado por quatro anos como Diretor Executivo da Wiz Corporate e um ano como Diretor de Transformação Digital da Wiz. Foi também consultor da Mckinsey & Company de 2008 a 2013, participando ativamente de projetos estratégicos no mercado bancário e de seguros da América Latina. Heverton Peixoto iniciou sua carreira na Rede Esho/Grupo Amil, com relevante experiência na indústria de seguros e saúde suplementar.
heverton.peixoto@moneytimes.com.br
CEO da Omni. Graduado em Engenharia Civil com MBA em Corporate Finance no Insead, França. Possui experiência relevante de mais de 15 anos em diferentes indústrias e segmentos, tendo atuado por quatro anos como Diretor Executivo da Wiz Corporate e um ano como Diretor de Transformação Digital da Wiz. Foi também consultor da Mckinsey & Company de 2008 a 2013, participando ativamente de projetos estratégicos no mercado bancário e de seguros da América Latina. Heverton Peixoto iniciou sua carreira na Rede Esho/Grupo Amil, com relevante experiência na indústria de seguros e saúde suplementar.
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