Opinião

Opinião: Wagner Moura, vamos falar de Previdência?

21 mar 2017, 18:31 - atualizado em 05 nov 2017, 14:06

wagner moura

Texto do site Por quê – Economês em bom português – publicado originalmente na Folha de S.Paulo

Está em discussão, no Congresso Nacional, uma proposta de emenda constitucional que busca reformar a Previdência Social no Brasil. Trata-se de um tema da maior importância. Afetará a vida de diversas pessoas em nosso país. Também impactará a solvência do Estado brasileiro e a sua capacidade de prover serviços públicos, até os mais essenciais.

É importante que a sociedade se engaje nesse debate que, infelizmente, está fortemente envenenado pela desinformação. Um vídeo narrado por Wagner Moura tornou-se viral nos últimos dias nas redes sociais, levantando problemas com a proposta enviada pelo governo ao Congresso. Apesar de utilizar informações verídicas, o vídeo faz correlações erradas sobre os impactos da reforma.

Argumenta-se no vídeo, por exemplo, que a idade mínima para aposentadoria de 65 anos é injusta, pois muitos brasileiros nem chegam a viver tantos anos. Para embasar esse argumento, a gravação recorre a estatísticas de expectativa de vida ao nascer.

Hoje, a expectativa de vida ao nascer é de cerca de 75 anos no Brasil, com grande variação entre regiões. Alguns estados do Norte e do Nordeste realmente apresentam números bem mais baixos e próximos à marca de 65. Mas isso não significa que uma pessoa, em média, trabalhará a vida toda para receber só alguns anos de benefício.

Na verdade, olhar apenas para a expectativa de vida ao nascer não é informativo. Por quê? Porque esse número é afetado pela mortalidade infantil e pela elevada violência que, em nosso país, tende a atingir mais fortemente homens jovens.

O correto, nesse caso, é olhar para a expectativa de vida condicional ao chegar à idade de aposentadoria. Nesse caso, a pergunta é: quantos anos em média uma pessoa que chegou aos 65 viverá? Para todos os estados brasileiros esse valor supera os 80 anos e a diferença entre estados não é muito grande.
Não, não trabalharemos até morrer.

Note, ainda, que grande parte dos brasileiros (especialmente os mais pobres) já se aposenta por idade. Essa mudança afetará preferencialmente, assim, pessoas que recebem aposentadorias mais elevadas e que, portanto, tendem a se aposentar por tempo de contribuição.

Um segundo ponto do vídeo é que precisaríamos de 49 anos de contribuição se quiséssemos receber aposentadoria integral. De fato, a situação da nossa Previdência Social é complicada, é preciso fazer um ajuste para reduzir a taxa de crescimento dos gastos.

Mas essa parte da proposta coloca o peso do ajuste sobre as pessoas que ganham aposentadorias mais elevadas. Por quê? Porque a Previdência tem um piso que é dado pelo salário mínimo.

Nas novas regras propostas pelo governo, se uma pessoa se aposentar antes dos 49 anos de contribuição, seu benefício sofrerá um desconto. Só que, mesmo depois do desconto, o benefício não pode ser inferior a 1 salário mínimo —o tal “piso”. Ou seja, o desconto pouco importará para as pessoas mais pobres, que já têm aposentadorias próximas ao piso. E a maior parte dos beneficiários, mais de 60% deles, ganha exatamente 1 salário mínimo hoje.

Na verdade, essa regra punirá quem ganha aposentadorias maiores.

Por fim, o vídeo de Wagner Moura critica a unificação da idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, aos 65 anos – hoje mulheres podem se aposentar mais cedo. A justificativa está na dupla (ou tripla) jornada, já que mulheres contribuem para o sustento da casa (participando do mercado de trabalho) e, ao mesmo tempo, são responsáveis pela criação dos filhos e pelas tarefas domésticas. No Brasil, cuja sociedade é bastante machista, os homens pouco ajudariam com a casa e com os filhos. Ao se aposentar mais cedo, a mulher seria compensada por esse trabalho adicional.

Aqui o assunto é mais controverso e, sim, aberto a um debate mais qualificado.

Concordamos: o Brasil é um país machista. Isso precisa mudar. Mas temos de atacar esse problema, em vez de usar a Previdência como paliativo, o que apenas reforça a divisão injusta.

Políticas que garantam mais acesso a creches e à educação em tempo integral podem ajudar. Na ausência de uma reforma ampla, porém, os gastos com a Previdência crescerão de maneira acelerada e ficará cada vez mais difícil para o Estado prover esses serviços.

A opinião do Porque.com.br é que precisamos caminhar para uma sociedade de direitos iguais —e isso inclui a idade mínima de aposentadoria. E uma mudança de cultura precisa acontecer com o homem dividindo com a mulher as tarefas da casa e a criação dos filhos. Manter idades diferenciadas de aposentadoria não vai ajudar em nada nesse aspecto. Há mais um detalhe importante: a mulher tem uma expectativa de vida maior, o que significa que ela irá receber a aposentadoria por mais tempo, mesmo com a equiparação da idade mínima.

A reforma enviada pelo governo ao Congresso é perfeita? Obviamente não. Há espaço ainda para debates e ajustes, que poderão ser realizados na tramitação da proposta. Fábio Giambiagi, em entrevista à Folha, faz uma série de sugestões de mudanças que poderiam aprimorar o texto.

A atual configuração da Previdência é insustentável. Hoje, gastamos muito dinheiro para mantê-la – o equivalente a 13% do PIB, número similar aos de países europeus que têm proporção de idosos muito maior em sua população. Esse valor crescerá nas próximas décadas, com o processo de envelhecimento da população.

Para que seja levada a sério, qualquer proposta alternativa precisa levar essa questão em conta. Manter o status quo não é uma opção.

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