Mercados

Pai de todos os ativos: Entenda como o Tesouro americano impacta o Ibovespa (e por que sua alta é um perigo)

22 ago 2023, 17:08 - atualizado em 22 ago 2023, 17:08
Tesouro
Taxas de 10 anos chegaram ao maior nível em mais de uma década.  (Imagem: REUTERS/Jim Bourg)

Há cerca de um mês, era difícil acreditar que o Tesouro americano (as chamadas Treasuries) se tornaria o vilão do mercado de ações. Mas é o que acontece: desde a última decisão do Federal Reserve no final de julho, as taxas dos principais títulos da dívida pública americana não pararam de subir.

O impacto desse movimento não se restringe aos Estados Unidos. Na verdade, junto a sinais preocupantes da China, explica o motivo da Bolsa brasileira — além de outros mercado emergentes —  engataram a marcha ré em agosto.

Quem falou sobre a correlação foi o próprio presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto. “O que tinha de queda na curva de juros [nos EUA] foi retirado”, disse o dirigente em evento ao Santander ao se referir a ideia, comprada pelo mercado, de um ciclo de afrouxamento seria possível ainda em 2023.

Nos momentos pós-crise dos bancos regionais, os mercados dos EUA chegaram a prever cortes de até 0,8 ponto percentual na taxa básica de juros até o fim do ano.

No entanto, o oba-oba caiu por terra na semana passada, quando o Fomc tratou de alertar o repique da inflação e a necessidade de se os manter juros básicos da economia mais altos.

Esse cenário, mais restritivo para os juros, causou uma elevação dos prêmios sobre o Tesouro americano. E com essa classe ‘segura’ de ativos alcançando rentabilidade tão altas — as maiores em mais de uma década — ficou difícil para ativos de risco nas Bolsas competirem.

“As pessoas estão começando a prestar mais atenção nos leilões de Treasuries e tivemos dois leilões com demanda baixa”, colocou Campos Neto.

Mas o impacto da alta do Tesouro nos ativos vai além de uma questão de competição entre produtos financeiros. O avanço das taxas, especialmente àquela relacionada ao papel de vencimento de 10 anos, pode se tornar um problema existencial para as empresas.

Tesouro de 10 anos: o ‘pai’ de todos os ativos

Dos diversos títulos de dívida pública emitido pelo governo americano, as T-notes com 10 anos de vencimento são as mais influentes para o andamento da economia.

Em uma coluna publicada para o jornal Folha de S. Paulo, Michael Virato, sócio e fundador da Casa do Investidor, explica que ativos como ações, imóveis e empreendimentos em geral têm fluxos de caixa de prazo que se estendem para mais de 10 anos.

Assim, para se calcular o valor justo destes ativos com fluxo de mais uma década, é preciso fazer um desconto (juros associado ao risco desse dinheiro não retornar) que usa como base as variações do Tesouro com maturação de 10 anos.

Esse procedimento é usado até mesmo para calcular o preço justo dos ativos da Bolsa brasileira. “Quando o analista vai calcular a taxa de juros a se descontar os ativos no Brasil, ele inicia com a taxa de juros de 10 anos americana, soma a taxa que representa o risco Brasil e soma o que ele acredita ser a taxa que representaria a variação do câmbio no longo prazo”, explica Virato.

Assim, quando a taxa de 10 anos sobe, todas as taxas de desconto sobem e o preço justo dos ativos cai.

Olhando para o contexto atual, a taxa das T-notes de 10 anos atingiu nesta terça-feira (22) um patamar visto pela última vez durante os primeiros momentos da Crise Global Financeira. Nos últimos 30 dias, ela subiu de 3,87% ao ano, para 4,33% ao ano.

Esse salto de 0,5 ponto percentual, diz Virato, é “como um terremoto que acontece no meio do mar, propagando um tsunami nas taxas de desconto de todos os ativos do mundo”.

No Brasil, a intensa correção dos descontos fez a taxa de juro do contrato futuro de juro brasileiro de 10 anos, negociado na B3, saltar de 11% para 11,4% em 30 dias. Essa alta coincidiu com uma queda de mais de 5% do Ibovespa.

Taxas atingiram um teto?

Apesar da súbita alta nos dias prévios, 99 de 110 economistas consultados pela Reuters entendem não haver mais espaço para novas altas nos juros básicos americanos daqui em diante, à medida que um risco de recessão recua nos EUA.

Se assim for, volta-se a abrir espaço para um recuo das taxas do Tesouro americano.

“O avanço nos prêmios tem sido forte e rápido o suficiente para fazer o Federal Reserve assistir cuidadosamente os desdobramentos no mercado de títulos”, comentou um ex-dirigente da distrital do Fed à publicação.

Segundo ele, há “lado positivo” diante da alta recente do Tesouro americano, que é o efeito de desaceleração que ela pode gerar para a economia, dado o encarecimento dos empréstimos nas principais linhas – fato, ao fim, desejado pelos formuladores de política do Federal Reserve.

Estagiário
Jorge Fofano é estudante de jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP. No Money Times, cobre os mercados acionários internacionais e de petróleo.
Jorge Fofano é estudante de jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP. No Money Times, cobre os mercados acionários internacionais e de petróleo.
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