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Preconceito com maternidade ainda poda executivas

13 jun 2022, 7:00 - atualizado em 13 jun 2022, 8:18
Emprego Trabalho Mulheres
A participação reduzida das mulheres nas áreas consideradas mais estratégicas é consequência da divisão sexual do conhecimento (Imagem: Unsplash)

Para chegar à posição de vice-presidente da multinacional brasileira de tecnologia CI&T e à de integrante dos conselhos de administração da Telefônica/Vivo e da Locamerica, Solange Sobral não só teve de atravessar barreiras extras por ser mulher e negra, mas também por ser mãe e atuar em uma área predominantemente masculina, a de tecnologia.

A maternidade e o setor de atuação são dois dos grandes obstáculos que as mulheres enfrentam e, em muitos casos, estancam a trajetória das executivas, conforme especialistas.

“Quando você vai para alguns setores, como de tecnologia ou financeiro, e, dentro dessas áreas escolhe o ‘core business’ (atividade principal), vai rareando cada vez mais o número de mulheres. E vai ficando cada vez mais difícil você ascender nesse ambiente”, diz Solange.

A professora do Insper Ana Diniz explica que a participação reduzida das mulheres nas áreas consideradas mais estratégicas é consequência da divisão sexual do conhecimento. Se antes as mulheres ficavam em casa cuidando dos filhos e, após romper essa primeira barreira, tornaram-se professoras e enfermeiras, agora é praticamente natural que a lógica do cuidado continue sendo reproduzida.

Diretora financeira e de relações com investidores da TIM, Camille Loyo Faria é uma das poucas mulheres no País que quebraram essa lógica. Formada em Engenharia Química, ela fez carreira no setor financeiro. Quando jovem, sentia que sua visão diferente incomodava a maioria masculina das equipes. “Também cheguei a ouvir que havia alcançado certa posição porque estava tendo um caso com o chefe. Queriam dizer que não tinha competência.”

Hoje, Camille diz que se sente respeitada nos ambientes de trabalho, mas acredita que mulheres que cresceram em áreas tidas como mais femininas podem ter se sentido mais confortáveis com suas equipes.

“Quando você está cercada de pessoas diferentes, pode haver menos empatia. Não acho que uma profissional de RH tenha menos dificuldade do que eu, mas é mais fácil lidar com as dificuldades quando se têm colegas que vivenciam as mesmas experiências.”

A executiva Vanessa Lobato, vice-presidente de varejo do Santander, diz não conhecer outra mulher que ocupe posição semelhante a sua no mercado bancário brasileiro. Vanessa começou sua trajetória na liderança como gerente de banco, foi superintendente e acabou migrando para a diretoria de recursos humanos – antes de se tornar vice-presidente de varejo.

“É como se fosse mais permitido a mulher se desenvolver nas áreas de suporte. É um viés inconsciente. É como se a mulher fosse menos capaz de lidar com números e entrega e mais capaz para lidar com contextos. Que grande bobagem”, diz a executiva, que lidera 30 mil pessoas.

Vanessa reconhece que, no comando do varejo, a maior parte da diretoria que responde a ela é formada por homens, diferentemente do que ocorria quando estava na área de RH. Na posição atual, tem trabalhado para suas equipes comprarem a pauta da diversidade de forma genuína e não tem perdido as oportunidades para mudar a cara da liderança.

“Quando uma cadeira (de diretoria) fica vazia, temos de procurar alguém com o olhar da diversidade. Não vou sair demitindo homens, mas temos de ter coragem para ter ações afirmativas”, acrescenta. “Oito anos atrás, se você me chamasse para uma reunião de diversidade, eu talvez não fosse. Mas tive o privilégio de estudar o tema, de olhar para minha vida e perceber o quanto de machismo já enfrentei. Já estive numa sala com homens que fingiram que eu não estava ali, mas, na época, eu nem percebia isso.”

Para Solange, conselheira da Telefônica e da Locamerica, projetos que estimulem mulheres a mergulhar na tecnologia e que mostrem as perspectivas que podem trazer para esses setores podem ajudar a elevar a presença feminina em áreas estratégicas.

Dar espaço para as mulheres em eventos, contando suas histórias, também é importante, diz. “Tenho certeza de que, por trás de muita história das empresas de tecnologia, há mulheres fazendo a diferença. São poucas, e elas não aparecem. Mas essa é uma forma de outras mulheres verem que é possível.”

A diretora de relações governamentais do Mulheres do Brasil (grupo que trabalha na defesa dos interesses das mulheres e é liderado pela empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza), Lígia Pinto, reconhece que, em algumas áreas, como as engenharias, há menos mulheres sendo formadas. Daí a necessidade de, ainda nas primeiras fases da escola, conscientizar as meninas de que elas podem estar onde quiserem.

“Homens e mulheres são diferentes e exercem a liderança de formas diferentes, mas é preciso saber, desde a infância, que é muito grave o discurso de que homem veste azul e mulher, rosa. As meninas precisam ser inseridas também nas aulas de robótica”, diz Ligia, também professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Estatística ingrata

A maternidade é apontada pelas executivas como uma das maiores barreiras para a ascensão. De acordo com Margareth Goldenberg, gestora executiva do Mulher 360 (movimento empresarial que trabalha por empoderamento feminino e equidade de gênero), é mais comum que mulheres cheguem à liderança quando não têm filhos.

Isso significa que muitas precisam abrir mão das ambições pessoais para serem executivas. “Não é justo que elas tenham de optar. As barreiras da maternidade são imensas na jornada de desenvolvimento profissional. Portanto, as empresas precisam adotar práticas acolhedoras, como horário flexível.”

Ligia Pinto, do Grupo Mulheres do Brasil, conta que, em um trabalho para uma grande consultoria, observou que as mulheres da lista dos dez principais candidatos a se tornar sócios da empresa não tinham filhos. As candidatas com filhos apareciam nas últimas posições de um ranking com 40 profissionais.

Isso acontecia porque a metodologia adotada para analisar os futuros sócios considerava o faturamento que os profissionais tinham conseguido gerar em 12 anos. Mulheres que haviam tirado licença-maternidade tinham faturamento zero por quatro ou oito meses, conforme o número de filhos que tinham tido.

“Eles não levavam em consideração o período de afastamento. Quando era desconsiderado o período de licença-maternidade, essas mulheres subiam no ranking e entravam de verdade na disputa pela vaga de sócia. Essa questão da maternidade é estrutural, mas esse exemplo mostra quanto até o padrão de avaliação pode ser machista”, diz Lígia.

Professora de gestão de pessoas na FGV, Vanessa Cepellos conta que muitas mulheres acabam sendo forçadas a deixar seus empregos quando têm filhos e, ao tentar retornar ao mercado, percebem que suas habilidades ficaram obsoletas. Para aquelas que conseguem permanecer no trabalho, é comum que passem a ser mal avaliadas pelos superiores por terem de dividir a atenção com as obrigações domésticas.

No caso de Solange Sobral, a ascensão profissional e a maternidade só foram possíveis porque ela teve a oportunidade de discutir com os chefes, antes da licença, como seria seu retorno. Solange conta também que o apoio da mãe e do marido foi fundamental.

“Tive o privilégio de ter parceiros e filhos que entenderam que, em alguns momentos, não estaria presente porque, para me sentir completa, tinha também o lado profissional.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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