Agricultura

A tragédia no RS, agro e sustentabilidade: Perplexidade, desafios e o papel do mercado

05 jun 2024, 16:23 - atualizado em 07 jun 2024, 14:54
rio grande do sul agro
O Plano Safra 24/25, que já está sendo discutido, deve incrementar as linhas verdes e recursos para um agro de baixo carbono (Foto: Marcia Riva)

Nossa coluna está de volta depois de um pequeno recesso, dessa vez, trazendo um tema que impactou a todo o Brasil no último mês, a tragédia no Rio Grande do Sul.

Todos nós vivenciamos de perto ou com um pouco mais de distância, via meios de comunicação, através de amigos, parentes e até de parceiros de negócios – ou mesmo enquanto cidadãos e brasileiros – as consequências e os impactos imediatos dessa tragédia nas nossas vidas, na nossa sociedade e no nosso país.

O esforço de nossa coluna cai sobre o “depois” no estado – se é que já podemos tratar e falar sobre um depois para tamanha tragédia – dentro dos aspectos que envolvem a nossa temática “agro e sustentabilidade”.

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Momento zero da tragédia no Rio Grande do Sul: Perplexidade e ações emergenciais

Preferi colocar o assunto em perspectiva e separá-lo em momentos para refletirmos sobre tudo o que aconteceu por lá, trazendo alguns elementos factuais para tal reflexão no escopo de nosso trabalho aqui na coluna.

Dessa maneira, podemos divisar como “momento inicial”, a ocorrência da tragédia em si, a partir de quando ela se desenhou, claro. Humanamente, só conseguimos sentir angústia, com a sensação de impotência, tentando acompanhar o que estava acontecendo pelas mídias e ajudando ao máximo possível nosso alcance como cidadãos, enviando recursos financeiros, mobilizando pessoas, buscando materiais de primeira necessidade junto a amigos, escolas, comunidades e tudo mais.

Tudo isso, numa tentativa de amenizar um pouco a situação de escassez de itens básicos, que ficou submetida a população local afetada pelas tragédias, aqui no plural,  por conta da concomitância de uma tragédia coletiva com várias tragédias pessoais que todos acompanhamos de alguma forma, não sem uma dose altíssima de perplexidade.

Porém, os governos atuaram de alguma forma. Tanto em termos de orçamento público – com imediato anúncio pelo Governo Federal de alívio na dívida do Rio Grande do Sul – quanto o concurso de tropas federais, movimentação do governo estadual do Rio Grande do Sul -, bem como de outros governos que acorreram para ajudar a população do estado enviando apoio, recursos até mesmo para se manter o mínimo de ordem publica em meio ao caos absoluto.

Segundo momento: Sobrevivência antes da retomada

Logo após a tragédia, e no momento que às águas começaram a baixar após as equipes de resgate e a população atuarem emergencialmente, e com os governos locais já atuando em consonância com os demais governos em nível estadual, federal e até com ajuda supranacional, começa a fase de produção e um mínimo de arcabouço legal nos níveis locais e nacional para amparo aos afetados pela tragédia, inclusive os negócios que, em se tratando de Rio Grande do Sul, em grande parte além de indústria pesada e serviços – temos o agronegócio presente em boa parte do estado.

Assim, foram publicados atos como o Decreto Estadual n. 57.596/24, de 1º de maio, que declarou o estado de calamidade pública em todo o território do estado afetado pela catástrofe, possibilitando a chegada de ajuda em vários níveis – inclusive o “gatilho” orçamentário destacado no item acima.

O decreto, em linhas gerais, permite que órgãos e entidades da administração pública estadual, adotem as medidas necessárias para a prestação do apoio necessário à população das áreas afetadas pela tragédia, inclusive afastando travas burocráticas para contratação/aquisição de bens e de serviços de primeira necessidade, atendendo a emergências de todo o tipo, principalmente o resgate da população dos locais afetados e a reconstrução do mínimo da infraestrutura afetada pela situação catastrófica.

Já no município de Porto Alegre, a prefeitura elaborou plano de limpeza, remoção, gestão e recuperação urbana das áreas afetadas pelo desastre, determinando o recolhimento dos destroços, resíduos e demais entulhos gerados pela catástrofe de acordo com as normas locais. Licenças ambientais também foram prorrogadas pela emergência, para deixar os negócios funcionando, mesmo nessa situação mais urgente.

No nível do Governo Federal, por sua vez, além do relaxamento das normas de pagamento das dívidas estaduais e repasses do orçamento federal, que reconheceu o estado de calamidade vivido pelo governo local imediatamente, o governo anunciou em 29 de maio um aporte adicional de cerca de R$ 600 milhões para avalizar a contratação de novos financiamentos de crédito rural a pequenos e médios produtores do estado.

Desafios antes da retomada no Rio Grande do Sul e o papel do mercado

No contexto das ações emergenciais, normativos produzidos para a emergência e marcos regulatórios existentes (e perenes) para o agronegócio brasileiro, podemos divisar em perspectiva – não sem lamentar as muitas perdas para o Rio Grande do Sul e para o Brasil – alguns aprendizados e, principalmente, desafios para a gestão pública e para os produtores agropecuários, além dos negócios envolvidos na cadeia ampla do agronegócio.

É fato que a questão ambiental vem à frente nessa situação, já que a ocorrência da própria tragédia em si, de alguma forma, já indica que o cuidado com a sustentabilidade no campo e a centralidade da agricultura na solução dessa questão – de acordo com o que restou decidido na última COP 28 em Dubai – devem estar na ordem do dia para minimizar os riscos de a tragédia se repetir e até se incrementar em um curto prazo.

A CPR-Verde, financiamentos verdes, fundos verdes e repasses de recursos verdes podem e devem ser aliados nesse processo. O Plano Safra 24/25, que já está sendo discutido, deve incrementar as linhas verdes e recursos para uma agricultura de baixo carbono e mais linhas com incentivos financeiros a quem preserva.

Nesse esforço, o mercado de capitais certamente acorrerá com recursos para a repactuação de operações de financiamento, utilização das garantias e linhas disponibilizadas pelo Governo Federal, além de muitos outros recursos, já que muitas das cooperativas de produção no estado já acessavam o mercado financeiro e de capitais tomando recursos junto a Fiagros e emitindo CRAs para o financiamento dos negócios na cadeia ampla do agronegócio dentro e fora da região afetada pela tragédia.

A repactuação de dívidas oriundas dessas operações e a correta utilização dos instrumentos e ferramentas existentes no mercado (e na legislação vigente do Direito do Agronegócio) pelos credores e devedores, serão fundamentais para diminuir os prejuízos causados e garantir a retomada mais adiante.

Em relação ao processo de como essas renegociações poderão e deverão acontecer, temos muitos instrumentos que, certamente, vão desde a negociação comercial, repactuação de contratos, títulos e garantias até mesmo à mediação, arbitragem e até mesmo, em casos mais extremos, uma recuperação judicial ou extrajudicial, já que a tragédia em si, como caso excepcional que foi, se amolda na previsão legal contida na legislação que excetua as contratações de dívidas de CPR-Física de produtores rurais para renegociação nessas circunstancias extremas, por exemplo.

Porém, entendemos que existem muito outros recursos para renegociação das dívidas e recuperação dos negócios no campo após a tragédia, antes de chegarmos ao extremo de um processo judicial de recuperação judicial, na tentativa de preservarmos o cerne, o motor do processo de reconstrução – e sustentabilidade – dos negócios no campo e na cadeia do agro, já que o entendimento e a busca de uma solução conjunta de todos os stakeholders para os problemas que surgiram, implicam em muito mais do que as possibilidades trazidas pelo processo de recuperação judicial do produtor rural da forma em que está posto hoje na legislação vigente.

Conclusão

Claro que a coluna não pretende exaurir o tema, e ainda mais claro que as questões vão muito além da fronteira do estado atingido com os encadeamentos da economia e atividades praticadas no estado que integram as cadeias mais complexas, desde maquinários até a produção agroindustrial.

A economia do Rio Grande do Sul é uma das maiores do Brasil – e um dos maiores produtores agropecuários de vários dos nossos produtos de nossa pauta de exportação – o que faz com que os efeitos perdurem no tempo e extrapolem muito a fronteira do estado e do próprio país.

Além disso, a recuperação será longa, penosa e a gama de recursos para o investimento na reconstrução do estado, não poupará esforços nacionais e até transnacionais, o que, de per si, já nos indica que o tempo nos dirá muito mais coisas além do que estamos tratando nesse espaço, nesse momento, para a nossa análise e discussões mais adiante.

Porém, o povo gaúcho forte, empreendedor e solidário certamente nos surpreenderá mais uma vez com a retomada e reconstrução da economia, cultura, estrutura e negócios – nos mais diversos segmentos – em todas as áreas atingidas pela tragédia.

André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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