Internacional

Afastar o fantasma do risco fiscal é desafio de Biden após primeiro ano de governo

20 jan 2022, 16:33 - atualizado em 21 jan 2022, 10:45
Joe Biden
(Imagem: Facebook/Joe Biden)

Após uma eleição atribulada que culminou em um violento ataque ao Capitólio, sede do poder Legislativo dos Estados Unidos, em Washington (DC), o presidente Joe Biden e sua vice Kamala Harris completam nesta quinta-feira (20) o primeiro ano de seu governo. Em 20 de janeiro de 2021, a chapa vencedora tomou posse e os democratas reassumiram o Executivo após 4 anos de governo Trump.

Os primeiros 365 dias do governo somam altas e baixas para o democrata, mas, no geral, o saldo é positivo, sobretudo quando o assunto é economia.

Felipe Loureiro, professor do curso de Relações Internacionais da USP, destaca que o ponto alto da administração no primeiro ano foi, a redução do desemprego, que está atingindo taxas histórias e, ao mesmo tempo, a diminuição da pobreza em razão da aprovação do pacote de ajuda econômica no contexto da pandemia da Covid-19, que garantiu subsídio tributário para a população mais pobre.

“São dois elementos importantes, cruciais na economia norte-americana durante o governo Biden. Já do ponto de vista negativo, temos o próprio fim do subsídio, do pacote de ajuda econômica de quase de U$S 2 trilhões. A gente tende para este ano um aumento do nível da pobreza. Talvez não em níveis semelhantes ao que a gente viu antes, mas certamente voltará a subir”.

Ainda que durante a eleição Donald Trump fosse visto como o candidato mais alinhado ao mercado, para Mauro Rached, chefe de investimentos do Daycoval, o setor financeiro estava confortável com ambos.

Biden, possivelmente, já sendo visto com mais “positividade”, graças ao seu engajamento para o combate da pandemia da Covid-19 nos Estados Unidos, o que consequentemente também acabaria sendo positivo para a economia.

Segundo a plataforma Our World In Data, o país já aplicou mais de 530 milhões de dose da vacina contra a Covid-19 e imunizou pouco mais de 60% da sua população.

“O primeiro ano foi razoavelmente em linha com o que esperava. Um governo que tinha na campanha a ideia de fazer estímulos, o que era compartilhado com os Republicanos em certa medida. Ele veio com dois pacotes: um que foi aprovado, e um outro mais disperso, de benefícios sociais, um pouco mais à esquerda — pensando em esquerda americana, que é mais suave”, avalia.

Loureiro destaca que um dos grandes trunfos, cujos impactos serão vistos a médio prazo, foi a aprovação da Lei de Infraestrutura.

Aprovado com apoio bipartidário e valor significativo, ele avalia que o dispêndio desses recursos deve ter um efeito importante na economia norte-americana.

“Vai ser positivo em termos de criação de empregos por conta das obras de infraestrutura e em razão das próprias melhorias das condições infraestruturais e de logísticas nos EUA, que tendem a ter um impacto significativo nas condições econômicas”.

Inflação

Rached destaca que a inflação, que encerrou 2021 com alta acumulada de 7% (a pior em cada 40 anos), teve um papel relevante no período, mas que é algo que o presidente americano não esperava.

“Acabou sendo uma dificuldade a mais e ele tem pouco instrumentos para lidar com isso, fica mais na mão do Tesouro e do Banco Central. Mas obviamente atrapalha o desenvolvimento de políticas”.

Ele lembra que nos Estados Unidos intervenções governamentais não são bem vistas, e que “foi de bom tom”, por parte de Biden, não criticar o Banco Central, algo que Trump costumava fazer, por exemplo.

“[As interferências] precisam ser colocadas de uma maneira muito cautelosa, porque há uma reação forte da sociedade, em especial dos agentes econômicos”, diz.

O analista lembra que a inflação no país vem em parte dos combustíveis. “O que estaria a mão do governo: liberar bem os estoques  de petróleo, estratégicos mais para  uma questão de catástrofe, de guerra. A margem de manobra é pequena, mas é algo que o governo aventou fazer. Talvez pudesse tomado um pouco mais de risco”.

Loureiro também pontua que, ainda que o próprio Biden não reconheça, a alta da inflação também está relacionada dois fatores: a disrupção da cadeia de produção e o estímulo monetário que foi oferecido pelo pacote de ajuda econômica para o país, já que ampliando o poder de compra da população não houve condições de garantir a oferta e abastecimento de bens e serviços.

“Vários setores da economia norte-americana são altamente globalizados, o que significa que a cadeia produtiva se dá em grande parte no exterior”, diz.

“Quando há problemas logísticos de cadeia de distribuição, ou mesmo paradas pontuais devido de lockdowns, ou à restrições em termos de isolamento social em determinados países, como é o caos do que está acontecendo na China por conta da política de Covid zero, há impacto na produção de alguns tipos de insumos essenciais, que por sua vez geram um efeito em cadeia inviabilizando a manutenção de produção nos mesmos patamares no contexto pré-pandêmico”, afirma.

“Isso obviamente vai impactar no caso do preço dos produtos, ainda mais no contexto da economia aquecida e de expansão dos meios de pagamento”.

Risco fiscal

Um dos principais projetos de Biden é o pacote Build Back Better, também muito relevante para os democratas.

Ele ainda não foi aprovado e, mesmo sendo reformulado, enfrenta resistências no Legislativo. Rached pontua que o projeto envolve a questão fiscal, porque é visto como um risco de endividamento a longo prazo.

“Há a discussão sobre a trajetória do endividamento, há a questão fiscal, há dúvidas sobre se o pacote será um estímulo promotor crescimento, se gera a quebra de paradigma, aumento de produtividade, que são fatores que podem levar a crescimento de longo prazo. Caso contrário, são apenas repasses de renda, que nem sempre são fatores de crescimento, mas de alívio temporário”.

Ele avalia não haver grandes pontos negativos que incomodem fortemente o mercado, mas fica claro que a questão fiscal não é uma grande preocupação, ao menos verbalizada, por parte do presidente.

“Acho que o Biden poderia estar um pouco mais atento a essa questão fiscal e tentar, com isso, negociar com os republicanos um acordo que possa estender por mais tempo a elevação do endividamento, se comprometendo com uma política fiscal mais conservadora.”

O que esperar

Em agosto de 2021, as tropas americanas se retiraram de forma repentina e abrupta do Afeganistão.

O ato, que resultou na retomada do poder pelo Talibã, foi decisivo para a mudança da opinião pública sobre o governo.

“A forma atabalhoada de como se dá a saída do país quebra a áurea de um administrador sereno, com experiência, que supostamente garantiria serenidade, racionalidade, segurança e previsibilidade da área de política externa. O que a gente viu no Afeganistão foi exatamente o contrário”, diz Loureiro.

Outro grande entrave para 2022 são os embates com o poder legislativo.

A aprovação do Build Back Better, essencial para o governo, ainda é incerta, mesmo que o projeto seja fatiado, como anunciou Biden.

Declarações do senador Joe Manchin, republicano da Virgínia, não indicam muita abertura para a possibilidade de negociações.

O parlamentar é contra a continuidade do pagamento de subsídio tributário para as famílias mais pobres, por exemplo, considerando o que seria um expansionismo monetário excessivo que geraria instabilidade fiscal.

Para Rached, também é possível avistar algumas rachaduras no contexto geopolítico para 2022.

“Biden é um pouco mais beligerante do que, talvez, o mercado esperava, o que pode gerar uma continuidade das tensões geopolíticas, que tem efeito sobre preços de petróleo e sobre o fluxo de comércio global”.

Ele lembra ainda da tensão com a Rússia, mas pondera que o discurso com a China tem hoje uma linguagem menos dura do que no início do governo do democrata, o que torna o diálogo mais previsível, diferente do que era com Trump.

“Com a China, as conversações me parecem mais construtivas. Isso é bom para o Brasil e para o comércio global geral”.

*Colaborou Kaype Abreu

Editora
Jornalista paulistana formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e editora do Money Times. Passou pelas redações da CNN Brasil e TV Globo como produtora, VOCÊ S/A e VOCÊ RH como repórter e Exame.com como redatora estagiária.
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