Opinião

Felipe Miranda: como bater um mercado eficiente?

26 maio 2020, 15:30 - atualizado em 26 maio 2020, 15:30
Felipe Miranda
“O recomendável sempre é diversificar entre várias estratégias”, diz o colunista

Os mercados são eficientes? Em outras palavras, toda a informação relevante está incorporada aos preços e todos os ativos ofereceriam o mesmo retorno quando ajustados por risco?

Essa talvez seja a pergunta de meu maior interesse intelectual em finanças. Dediquei boa parte dos meus estudos a isso. Minha dissertação de mestrado foi justamente em prêmio de risco, buscando responder por que, na média, os contratos futuros de câmbio superestimam a desvalorização cambial.

Não que a tese seja lá grande coisa — afetado pelo falecimento do meu pai, pela herança de dívidas e pela criação da Empiricus, foi o que deu pra fazer, para frustração do meu querido orientador, que via chances de uma publicação em periódico estrangeiro.

O tema é mais simples do que parece. Se você simplesmente observar os contratos futuros de câmbio e fizer uma investigação estatística sobre eles, perceberá que, de maneira sistêmica, os contratos futuros tendem a projetar um dólar mais alto do que, na prática, acaba acontecendo. 

Olhe agora o contrato futuro de câmbio para 26 de maio de 2021. Então, quando chegar este dia, compare com o câmbio efetivo da respectiva data. Repita o procedimento por uma amostra suficientemente longa. Você vai constatar que, na média, os contratos futuros superestimam a desvalorização cambial projetada.

Então, quer dizer que se formam expectativas inadequadas para o câmbio a partir dos contratos futuros? Não há expectativas racionais? Os mercados são ineficientes, já que os futuros não são bons estimadores para a verdadeira taxa de câmbio?

Será?

Coloquemos a coisa sob outro ângulo, exercitando um pouco nossa capacidade de abstração: em mercados eficientes, quanto deve ser a taxa de juros no Brasil? 

Ora, para não haver arbitragem, a taxa de juros internacional mais um prêmio de risco-Brasil, supondo que estejamos na mesma moeda, certo? Se o Brasil pagar mais do que isso, todo o dinheiro vem para cá; os preços dos títulos sobem e suas taxas caem, chegando ao equilíbrio. Se o Brasil pagar menos do que isso, todo o dinheiro vai para lá; os preços dos títulos caem e suas taxas sobem; de novo, vamos para o equilíbrio.

Já se não estamos na mesma moeda, a taxa de juros local deve ser equivalente ao juro internacional mais o prêmio de risco-Brasil mais a expectativa de desvalorização da moeda (o estrangeiro, claro, se preocupa com o retorno na sua respectiva moeda).

De maneira mais esquemática:

Juro brasileiro = juro internacional + prêmio de risco-Brasil + expectativa de desvalorização cambial

Vamos chamar o esquema acima de “estratégia 1”.

O investidor que não quiser estar exposto à variação cambial poderia montar uma “estratégia 2”, travando a taxa de câmbio no mercado futuro, sem ficar dependente da própria expectativa.

Então, teríamos, para a “estratégia 2”:

Juro brasileiro = juro internacional + prêmio de risco-Brasil + desvalorização indicada pelos contratos futuros de câmbio.

Agora, pergunto: as estratégias 1 e 2 são rigorosamente iguais em termos de risco e retorno?

Na verdade, não. Na primeira, o investidor está exposto ao risco cambial. Ele tem uma expectativa para o câmbio, que pode ou não se materializar. Já no segundo caso, ele não tem esse risco. Não importa para onde vai o câmbio, ele tem a certeza do quanto receberá de dólares porque travou o preço no mercado futuro.

Dólar
Na primeira, o investidor está exposto ao risco cambial (Imagem: REUTERS/Beawiharta)

Ou seja, para que as estratégias acabem equivalentes, as cotações do mercado futuro precisam embutir um prêmio de risco cambial, elas precisam ser um pouco maiores do que a mera expectativa cambial. Ir para o mercado futuro e travar seu câmbio implica menos risco e, por isso, você acaba topando pagar um preço um pouquinho maior (em troca de mais segurança).

Portanto, há um corolário prático importante aqui: se você passar a sua vida toda vendendo contratos futuros de dólar, na média, você vai ganhar dinheiro, sistematicamente, mesmo com os mercados sendo 100% eficientes e racionais. Isso acontece porque você vai se apropriando no tempo do prêmio de risco ali embutido. No Brasil, se você é um exportador que sempre faz hedge cambial, você tende a ganhar dinheiro.

A questão do prêmio de risco cambial é só um exemplo particular de um caso mais geral: mesmo em mercados eficientes e racionais, você pode ganhar dinheiro de maneira sistemática se apropriando dos variados prêmios de risco existentes por aí.

Qual o problema dessa estratégia? Embora você vá ganhar na média, por vários anos você pode perder, inclusive quantias muito expressivas, sendo expulso do jogo — falo literalmente. Um erro numa estratégia concentrada pode levá-lo à falência. Mesmo os contratos futuros de câmbio superestimando a desvalorização cambial na média, há vários anos em que eles a subestimam pronunciadamente. 

Portanto, o recomendável sempre é diversificar entre várias estratégias, que se apropriam de prêmios de risco diferentes. Assim, você tem quase uma garantia de que, no agregado, vai sair ganhando, dado que, na média, elas são individualmente vencedoras.

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Portanto, o recomendável sempre é diversificar entre várias estratégias, que se apropriam de prêmios de risco diferentes (Imagem: REUTERS/Sertac Kayar)

É isso que se faz hoje na ponta da alocação de recursos, por meio dos fundos chamados “Smart Beta”, que basicamente montam uma série de estratégias para se apropriar de diversos prêmios de risco.

Quais são eles? Na verdade, eles estão por toda a parte. Um título prefixado, por exemplo, tende a pagar, na média, mais do que um indexado, porque ele incorpora o prêmio de risco de inflação. Um mercado emergente tende a pagar mais do que um mercado desenvolvido, porque incorpora o prêmio de risco do respectivo país. 

Essa história começou, mesmo dentro do arcabouço das expectativas racionais e dos mercados eficientes, com o famigerado modelo CAPM, que é basicamente uma extensão dos estudos de Markowitz na tal fronteira eficiente de portfólio. 

O CAPM é aquele modelo com que talvez você tenha esbarrado ao ver algum relatório usando o chamado Fluxo de Caixa Descontado, que usa o CAPM para o cálculo do custo do equity (retorno requerido pelo acionista).

De novo, é mais simples do que parece. No CAPM, o retorno de determinado ativo se dá pela taxa livre de risco mais o chamado prêmio de mercado (excesso de retorno da média do mercado, da Bolsa, por exemplo, sobre a taxa livre de risco) multiplicado pelo parâmetro que mede a sensibilidade daquele respectivo ativo às oscilações da Bolsa. 

Esquematicamente, o CAPM:

Retorno da ação = taxa livre de risco + Beta [Expectativa de retorno de mercado – taxa livre de risco]

Aqui, um único fator de risco importa, que é justamente o prêmio de risco de mercado. Por isso, o CAPM é chamado de modelo unifatorial. Você está atrás de capturar justamente o prêmio de risco de mercado para si.

A partir daí, fica fácil entender os próximos passos. Saindo de um modelo unifatorial, você pode expandi-lo para vários outros fatores de risco. Então, saímos do CAPM (unifatorial) para os chamados APTs (modelos multifatoriais), em que se colocam os fatores de risco que o pesquisador julgar mais apropriados.

Entre os trabalhos mais clássicos a respeito, está o chamado Modelo Fama-French, ou Modelo de Três Fatores, que nada mais é do que um caso particular de um APT. Os autores partem de um CAPM clássico e o expandem incluindo outros dois fatores de risco para explicar a performance de uma ação, a saber: um fator ligado ao tamanho da empresa, outro associado a um critério de value investing, mais precisamente o valor de mercado sobre o patrimônio. 

A conclusão é que, na média, empresas menores rendem mais do que as maiores no longo prazo, assim como companhias atreladas a critérios clássicos de value investing também tendem a se sair melhor. O modelo foi atualizado várias e várias vezes, chegando quase sempre às mesmas conclusões. 

Os chamados fundos “Smart Beta” são a resultante prática de modelos APTs. Hoje, você mesmo pode montar seu próprio fundo se tiver acesso às Bolsas nos EUA, porque lá existem vários ETFs, um para cada prêmio de risco clássico. Você pode montar uma carteira com ETFs de value, de growth, de small caps, de momentum — o que você quiser.

Mercados
Você pode montar uma carteira com ETFs de value, de growth, de small caps, de momentum — o que você quiser (Imagem: Pixabay/Audy0073)

Entre os mais citados e utilizados, estão sempre algum com critério de tamanho e outro ligado ao value investing, sob a inspiração do pioneirismo do clássico Fama-French. 

Por isso, um dos caminhos clássicos para se apropriar de prêmios de risco, mesmo em mercados altamente eficientes e racionais, é por meio de small caps sob critérios rigorosos de value investing. 

Ter microcaps em seu portfólio é simplesmente uma atitude racional e eficiente. Meu sócio Max Bohm conta tudo sobre nossas microcaps favoritas nesses vídeos bastante educativos sobre o tema.  Max é um grande especialista no tema e está pronto para ajudar nessa caminhada para garimpar excelentes oportunidades nesse universo.

 

 

CIO e estrategista-chefe da Empiricus
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
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