Entre Altas e Baixas

Instrução 358: Como saber se o conselho da empresa está comprando ou vendendo ações

25 jan 2023, 11:40 - atualizado em 25 jan 2023, 15:20
Conselho-Empresas
“Embora longe de ser perfeito, existe um método para descobrir o que os diretores, controladores e até o Conselho de Administração de todas as companhias listadas”, explica Ferrer  (Imagem: Pixabay)

Antes de investir em uma companhia, o investidor fundamentalista costuma se munir de informações para tentar entender o seu modelo de negócio, a cultura organizacional, o seu posicionamento perante os competidores, os benefícios que os produtos ou serviços dessa empresa proporcionam e assim por diante.

Vejo com frequência investidores tentando fazer associações do seu cotidiano ou das suas experiências para entender melhor o funcionamento de determinada empresa. Embora não seja uma atividade exclusiva, ela pode trazer insights importantes.

Imagine que você seja um investidor de uma rede de padarias. Ao chegar para tomar um café da manhã e perceber o chão sujo, o ambiente barulhento, funcionários mal treinados e a comida não tão saborosa, terá um indicativo de que as coisas podem não estar indo tão bem quanto gostaria.

Além de realizar essas visitas “in loco”, conversar com funcionários, gerentes de loja, diretores ou demais stakeholders (partes interessadas) da companhia pode ser bastante útil para agregar ao checklist do estudo.

Contudo, nem sempre é tão fácil ter acesso às pessoas que tocam a operação das empresas, principalmente as grandes. Dessa forma, essa etapa da análise pode acabar ficando incompleta.

Quem tem “Skin in the game”?

Embora longe de ser perfeito, existe um método para descobrir o que os diretores, controladores e até o Conselho de Administração de todas as companhias listadas estão fazendo com o dinheiro deles.

É possível apurar mensalmente qual dos grupos arrisca a sua própria pele investindo seus recursos na empresa em que trabalha. Estou falando da Instrução CVM 358.

“Legal Fernando, mas porque você acha que esse método está longe de ser perfeito?”

É preciso ter muito cuidado para interpretar esse documento por alguns motivos. Primeiro porque não é possível verificar o nome de cada integrante individualmente, mas sim se o grupo comprou ou vendeu os papéis. E, além disso, uma sequência de compra pode ser muito mais um indicativo ruim do que bom.

Vamos a um exemplo: uma sequência de meses comprando um papel pode ser um indicativo que os principais executivos da companhia estão otimistas com o avanço do modelo de negócios e investindo seus próprios recursos na companhia, correto?

Outra forma de pensar é de que essa possa ser uma forma de evitar que os papéis da companhia caiam de preço (em especial nas empresas com baixa liquidez).

Por outro lado, uma sequência de vendas pode ser um indicativo que as coisas não estão muito bem para a companhia e que os executivos estão abandonando o barco ou, que apenas um diretor que se desligou está vendendo os papéis ou até que estes estão reajustando suas carteiras depois de um pagamento de bônus, o que seria natural.

Destrinchei a Instrução CVM 358 de duas empresas que analiso para mostrar o que seria uma leitura de primeiro nível (a mais intuitiva) e, mais importante, a leitura de segundo nível (mais profunda e racional) com relação às movimentações recentes de seus executivos e conselheiros.

Primeiro, temos a Arezzo (ARZZ3), uma das principais varejistas de moda da B3. Para realizar a compra da Reserva em 2020, em uma transação de R$ 715 milhões, a companhia decidiu desembolsar R$ 225 milhões em dinheiro e o restante foi pago via ações da própria Arezzo.

Dois anos depois da transação, foi possível identificar na CVM 358 uma venda robusta de um dos conselheiros da companhia ao longo de dezembro, que mais tarde foi identificado – Rony Meisler, o fundador da Reserva.

Nesse caso, embora o volume da venda seja grande e equivalha a quase 1% do valor de mercado da companhia, não enxergo o movimento como um ponto de atenção. Trata-se do vencimento do primeiro vesting que Rony tinha em função da venda da Reserva.

Cabe ressaltar que a maior parte do patrimônio dele segue alocada na Arezzo e Rony segue atuando como CEO da Ar&Co, que é uma das principais vertentes da Arezzo, que por sua vez é uma das nossas sugestões de compra no Carteira Empiricus (uma das séries em que atuo).

Fonte: Arezzo

No ano, houve três meses de movimentação de ação por parte do Conselho de Administração da companhia. Nas duas primeiras ocasiões, ocorreu o recebimento das ações referentes ao plano de remuneração dos executivos (duas primeiras barras do gráfico abaixo), enquanto a última é referente à venda parcial da participação do Rony Meisler.

Fontes: Arezzo e Empiricus

Por outro lado, um caso de compras consecutivas realizadas pelo controlador chama a minha atenção de forma negativa. O movimento tem acontecido na M Dias (MDIA3), empresa que atua no mercado alimentício brasileiro há mais de 60 anos nas linhas de biscoitos, massas e correlatos.

Desde 2017, a companhia tem apresentado encolhimento de suas margens e uma grande dificuldade de ganhar mercado.

Com o início da guerra entre Rússia e o Ucrânia, o preço dos principais insumos utilizados pela companhia avançaram de forma impressionante, pressionando ainda mais o resultado operacional da M Dias no ano.

Fonte: M Dias Branco

Nesse contexto de deterioração de resultado e pressão adicional pelo ambiente macroeconômico, seria de imaginar que seus papéis estivessem negociando a preços mais baixos do que a média histórica. Correto?

Para a M Dias, não. Além de ter subido +52% em 2022 (um dos anos mais difíceis para sua operação), contra +5% do Ibovespa e -24% da Camil (CAML3), sua comparável mais próxima que negocia na Bolsa Brasileira, o papel negocia a um múltiplo bastante salgado em minha visão.

Como explicar tamanha discrepância de resultado versus desempenho do papel versus valuation das empresas comparáveis?

Para mim, a massiva compra de seus papéis por parte dos controladores. Veja abaixo um print da movimentação dos controladores em abril do ano passado – semanas depois do início da Guerra da Ucrânia e da disparada do preço das commodities, que é negativo para suas operações. Houve compra em quase todos os dias úteis do mês, o que pode ter motivado a alta das ações no período.

Fonte: M Dias Branco

Na imagem abaixo, compilei os dias que ocorreram algum tipo de movimentação dos controladores da companhia com o desempenho do papel desde janeiro do ano passado.

Diferentemente do caso do Conselho de Administração de Arezzo, que fez movimentações pontuais no ano, os controladores de M Dias foram extremamente ativos no ano, potencialmente criando distorções no papel.

Dada a grande diferença entre preço e valor, temos uma sugestão de venda (operação short) em M Dias Branco também no Carteira Empiricus.

Fontes: M Dias Branco e Empiricus

Fica claro a necessidade de separar o que é ruído de sinal. Compra de ação por parte dos controladores nem sempre é um bom indicativo para o investidor, bem como a venda de algum Conselheiro não deveria ser enxergada como algo negativo.

Como disse, é importante deixarmos o pensamento de primeiro nível de lado e focarmos na análise mais minuciosa dos fatos.

Por fim, proponho um rápido exercício para o leitor. Já viu a Instrução CVM 358 da Americanas (AMER3) nos últimos 6 meses? Será que a leitura do documento poderia nos indicar antecipadamente que alguma coisa não estava indo bem? Fica a reflexão.

Forte abraço,

Fernando Ferrer

Graduado em Engenharia Mecânica pela UFRJ e com MBA de Finanças pela mesma instituição, Fernando atua na Empiricus como analista de investimentos há 5 anos. Atualmente, é responsável pela série best-seller As Melhores Ações da Bolsa e faz parte da equipe que comanda o Carteira Empiricus, o portfólio multimercado que é o carro-chefe da casa. Colunista da newsletter Day One, Fernando passou a integrar o time de colunistas do Money Times com sua série semanal Entre Altas e Baixas.

Graduado em Engenharia Mecânica pela UFRJ e com MBA em Finanças pela mesma instituição, Fernando Ferrer atua na Empiricus como analista de investimentos há 5 anos. Atualmente, é responsável pela série best-seller As Melhores Ações da Bolsa e faz parte da equipe que comanda o Carteira Empiricus, o portfólio multimercado que é o carro-chefe da casa. Colunista da newsletter Day One, Fernando passará a integrar o time de colunistas do Money Times com sua série quinzenal Entre altas e baixas.
Graduado em Engenharia Mecânica pela UFRJ e com MBA em Finanças pela mesma instituição, Fernando Ferrer atua na Empiricus como analista de investimentos há 5 anos. Atualmente, é responsável pela série best-seller As Melhores Ações da Bolsa e faz parte da equipe que comanda o Carteira Empiricus, o portfólio multimercado que é o carro-chefe da casa. Colunista da newsletter Day One, Fernando passará a integrar o time de colunistas do Money Times com sua série quinzenal Entre altas e baixas.
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