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MITO22: Há limite legal para uso de tokens em campanhas políticas?

02 abr 2022, 18:00 - atualizado em 01 abr 2022, 19:33
tokens
Um site arrecadava fundos com uso de um token da rede blockchain BNB Chain, o MITO22 (Imagem: Clauber Cleber Caetano/PR)

No dia 5 de março, um site chamado mito22 foi ao ar para arrecadar fundos e incentivar a produção de itens promocionais da campanha de Jair Bolsonaro à reeleição à presidência. O site arrecadava fundos com uso de um token da rede blockchain BNB Chain, o MITO22.

O portal foi tirado do ar pela Justiça Eleitoral (TSE), mas, com as eleições se aproximando – e os criptoativos ficando cada vez mais populares -, as discussões sobre o tema continuam.

MITO22: Token ilegal ou liberdade de expressão?

Gabriella Miranda, advogada especialista em direito eleitoral, diz que o token “MITO22” foi lançado em 5 de março, data muito anterior ao determinado pela Justiça Eleitoral, “além de ter sua transação realizada pela corretora PancakeSwap, que não exige a vinculação por meio de CPF”, trazendo consigo vários impedimentos para qualquer tipo de posterior conversão em doação com a finalidade eleitoral.

Se o objetivo do token é a de apoiar a reeleição do Bolsonaro em 2022, a advogada frisa que este apoio não poderia ser de modo econômico – não de forma legal. Seria no máximo uma maneira de propagar a imagem do candidato ou se tornar um fã-clube virtual.

“A criação de tal token pode ser considerada como a materialização da admiração de seus criadores em relação ao Presidente, sendo a mera manifestação de suas liberdades de expressão.”

Entretanto, Miranda afirma que o mercado cripto é cheio de fraudes contra os investidores, e “o surgimento de um novo ativo com a imagem de uma figura pública, curiosamente, em ano eleitoral, é no mínimo algo suscetível de desconfiança.”

Financiar uma campanha eleitoral com token é juridicamente legal?

Miranda lembra que, nas eleições de 2018, houve a primeira manifestação do TSE em relação à proibição do uso de criptomoedas para o recebimento de doações financeiras para campanhas eleitorais.

“O fundamento foi de que havia riscos de transação com esses ativos, e que não permitem a identificação de origem dos recursos ou o seu controle pelo sistema financeiro nacional.”

Posicionamento este que, para a advogada, vem sendo aplicado a todos os pleitos no país desde então, em um movimento inverso, por exemplo, ao que ocorre nos Estados Unidos

“Nos Estados Unidos, há quase oito anos, a Comissão Eleitoral Federal (FEC, sigla em inglês), aprovou tais contribuições.”

Apesar de serem proibidas para financiar campanhas políticas, Miranda explica que os candidatos devem declarar seus ativos digitais ao TSE, como já ocorreu por exemplo nas prestações de contas das eleições municipais de 2020.

É frisado por ela que, independente da discussão em torno do uso desses ativos para financiamento eleitoral, o fato é que o calendário eleitoral prevê que somente a partir de 15 de maio será possível iniciar a campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade de financiamento coletivo.

“Desde que não façam pedidos de voto e obedeçam às demais regras relativas à propaganda eleitoral na internet”, completa.

A resolução do TSE, que trata sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatas ou candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições, determina que, em casos de financiamento coletivo, deve constar “identificação obrigatória, com o nome completo e o número de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF) de cada pessoa doadora, o valor das quantias doadas individualmente, a forma de pagamento e as datas das respectivas doações; (art. 22, inciso II, Resolução nº 23.607/2019)”.

Alex Santos, Gestor-Geral de Contencioso Digital do escritório Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados, também discorre sobre a questão de identificação de um criptoativo.

“A identificação do doador e a rastreabilidade das transações são dois requisitos exigidos pela legislação eleitoral”, diz.

Segundo Santos, esses requisitos não são suficientemente atendidos pelo uso de tokens, devido à tecnologia usada por eles.

A arrecadação por meio de tokens pode ser categorizada como “doação oculta”, violando o princípio da transparência e dificultando o rastreamento das doações eleitorais, segundo o advogado.

“O tema das doações ocultas já foi objeto de julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal de Justiça na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5394”, finaliza.

“Santinhos políticos” em NFT pode?

Para Miranda, não. A distribuição de santinhos que são meios de propaganda eleitoral, na modalidade de tokens não fungíveis (NFT), que possui em sua própria essência um caráter de comercialização, abrindo “privilégios” e “acessos” exclusivos ao seu conteúdo por quem os detiver, acaba por se chocar com um paradigma antigo nos pleitos: compra de voto.

“Afinal, quando um item digital é tokenizado e se torna um NFT, esse item passa a contar com um selo de autenticidade e pode ter um “dono”. Estando registrada a propriedade, esse item pode ser comercializado, pagando-se pelo direito de uso ao “dono”.

Por isso, ela afirma que tal conduta permeia a compra de voto, “acarretando em possível abuso do poder econômico, podendo ser tratado inclusive como corrupção eleitoral.”

Na visão de Santos, a distribuição de santinhos em formato de NFTs é algo possível. Porém, assim como os santinhos físicos, a distribuição é permitida somente até a véspera da eleição.

“A distribuição de folhetos no dia da eleição é considerada prática de boca de urna, passível de pena de detenção de seis meses a um ano e multa”, comenta.

De todo modo, embora seja possível a distribuição de santinhos NFTs, esse talvez não seja o melhor formato.

“Isso em razão da principal característica dos NFTs: ser único e insubstituível por outro da mesma espécie, quantidade e qualidade (infungível),” explica.

Repórter do Crypto Times
Jornalista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Repórter do Crypto Times, e autor do livro "2020: O Ano que Não Aconteceu". Escreve sobre criptoativos, tokenização, Web3 e blockchain, além de matérias na editoria de tecnologia, como inteligência artificial, Real Digital e temas semelhantes. Já cobriu eventos como Consensus, LabitConf, Criptorama e Satsconference.
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Jornalista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Repórter do Crypto Times, e autor do livro "2020: O Ano que Não Aconteceu". Escreve sobre criptoativos, tokenização, Web3 e blockchain, além de matérias na editoria de tecnologia, como inteligência artificial, Real Digital e temas semelhantes. Já cobriu eventos como Consensus, LabitConf, Criptorama e Satsconference.
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