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O dilema de investir no Enjoei: existe solução para a pirataria no modelo de negócio da empresa?

08 set 2021, 9:22 - atualizado em 08 set 2021, 12:07
Enjoei
Existe um problema que o Enjoei tenta, mas não consegue solucionar de uma vez em seu marketplace: a comercialização de produtos falsificados (Imagem: Diana Cheng/Money Times)

A tendência de digitalização do processo de compra, que ganhou o impulso que faltava durante a pandemia de Covid-19, atraiu investidores não só para os grandes nomes do varejo, como Magazine Luiza (MGLU3), Via (VIIA3) e Mercado Livre, mas também às empresas com exposição ao e-commerce que decidiram preparar sua entrada na Bolsa.

No ápice das ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) na B3 (B3SA3), alguns representantes do varejo online aproveitaram o timing para abrir capital.

O mercado colocou boas expectativas sobre a Mosaico (MOSI3), que estreou em grande estilo na Bolsa, com as ações disparando quase 100% no primeiro dia de negociação. No caso do Méliuz (CASH3), embora os papéis tenham estreado em queda na Bolsa, a companhia foi ganhando a confiança do mercado e é atualmente considerado um caso de sucesso.

Com o Enjoei (ENJU3), os investidores não chegaram a mostrar no IPO a mesma euforia que tiveram com a Mosaico. Meses já se passaram desde a oferta, e parece que a plataforma para compra e venda de produtos usados também não conseguiu conquistar a aprovação do mercado como o Méliuz.

Para alguns analistas, a questão é clara. Existe um problema que o Enjoei tenta, mas não consegue solucionar de uma vez em seu marketplace: a comercialização de produtos falsificados.

Problema intrínseco do marketplace

Desde que iniciou a cobertura da ação do Enjoei, a Genial Investimentos mantém uma postura de cautela para o nome. Mais do que ter produtos falsificados na plataforma, a corretora criticou a “vista grossa” feita pela companhia em relação ao problema. De acordo com a Genial, isso inviabiliza a possibilidade de estimar a porcentagem da receita que vem de produtos de qualidade e a fatia que corresponde a artigos de origem duvidosa.

A corretora voltou a criticar o modelo de negócio da empresa ao revisitar a tese após a divulgação dos resultados do segundo trimestre de 2021. Dessa vez, a equipe de análise da Genial ressaltou sua “extrema preocupação” para o longo prazo.

“Acreditamos que a existência desses produtos e dos vendedores mal intencionados pode beneficiar a companhia no curto prazo, com um aumento maior em vendas. Entretanto, na nossa visão, ela apresenta um demasiado risco ao investidor que queira se posicionar em empresas de tecnologia para o longo prazo”, comentaram os analistas Bruno Rosolini e Eduardo Nishio.

A Genial já chegou a dizer que não considera o Enjoei como uma empresa ESG (Environmental, Social and Corporate Governance, ou Ambiental, Social e Governança Corporativa traduzido para o português), apesar de seu modelo trabalhar com produtos de segunda mão.

ENJOEI
“Muito fora da estratégia”: Enjoei entrou no mercado com a ideia de ser uma plataforma do “usado legal” (Imagem: Divulgação/Enjoei)

Em entrevista ao Money Times, Isabel Mirandez Del Nero Gomes, líder de ESG e Relações Governamentais do Enjoei, garantiu que a companhia tem olhado para a questão de maneira ativa. A executiva ressaltou ainda que a falsificação de produtos é um problema que caminha juntamente com o comércio digital – ainda mais para uma empresa que trabalha com terceiros, como o Enjoei.

“Falsificado é um problema intrínseco do marketplace. À medida que você escala uma operação – e a gente está falando aqui de centenas de milhares de produtos que são ‘uploadados’ por dia -, torna-se humanamente impossível fazer um crivo sobre esses anúncios”, afirmou.

A pandemia também não contribuiu para minimizar os impactos da pirataria na plataforma. Pelo contrário, agravou o problema. Segundo Gomes, o vendedor de produtos falsificados que atua nas ruas encontrou no Enjoei uma saída para vender sua mercadora durante o período de restrições.

“Esse problema se agravou na pandemia. O fluxo de vendas boas começa a ocorrer, mas também de venda ruim. Aquela pessoa que vende produto falsificado na rua precisou achar um meio de escoar o produto dela”, disse.

Gomes defendeu que a pirataria está “muito fora da estratégia” da companhia, que entrou no mercado com a ideia de ser uma plataforma do “usado legal”.

“Se eu tenho o falsificado no meio desse bolo, isso é um obstáculo para mim como empresa. Imagina uma pessoa que não conhece e fala: vender usado é como vender qualquer coisa, é um cacareco, é falsificado. Isso está muito fora da nossa estratégia”, afirmou Gomes.

Criado em 2009 por Ana Luiza McLaren e Tiê Lima, o Enjoei surgiu com o propósito de conectar pessoas físicas, produtos e marcas de moda e lifestyle. O Enjoei trabalha como uma plataforma que concentra negócios desenvolvidos a partir do perfil de cada pequeno lojista.

No segundo trimestre de 2021, o marketplace da companhia computou 3,9 milhões de itens publicados, um crescimento de 61% em relação ao mesmo período do ano passado. O GMV (volume bruto de mercadorias) aumentou 82% na comparação ano a ano, para R$ 205 milhões, refletindo a aquisição de novos usuários, aumento da recorrência e aceleração do EnjuPro (serviço de intermediação desenvolvido pelo Enjoei para quem quer vender, mas não tem tempo de cuidar do negócio), bem como o início das operações B2B2C.

Apesar da expansão da receita líquida, o Enjoei encerrou o trimestre com prejuízo líquido de R$ 30 milhões e Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado negativo de R$ 19,1 milhões.

Ações antipirataria

Indo na contramão da Genial, a XP Investimentos adotou desde o início de cobertura das ações uma postura pró-Enjoei.

Até hoje, a recomendação da corretora é de compra para o papel. A instituição não fechou os olhos para a grande incidência de produtos falsificados na plataforma, mas entende que a companhia está trabalhando para minimizar os males da pirataria em seu modelo de negócio.

A líder de ESG do Enjoei indicou uma série de iniciativas antifraude em processo de implementação pela companhia.

Além da criação de uma área específica para lidar com fraudes e de um canal exclusivo para marcas reportarem qualquer movimento duvidoso, a empresa possui um time direcionado só para essa questão.

No caso dos lojistas e dos clientes, por segurança, o Enjoei só libera o dinheiro de uma venda para o lojista até, no mínimo, sete dias após a confirmação da entrega pelo comprador. Segundo Gomes, é isso que garante que a compra seja “segura em todos os aspectos, desde falsificado até qualquer outra fraude”.

Há ainda um botão de denúncia em todos os itens no marketplace da companhia. Isso permite maior engajamento por parte dos usuários ao mesmo tempo que o Enjoei ganha uma ajuda extra na hora de verificar produtos falsificados.

A plataforma ainda conta com algumas regras automáticas de inteligência artificial que bloqueiam o upload de alguns produtos que, baseados na experiência, provavelmente são piratas.

“Por exemplo, se você postar no Enjoei três bolsas da Gucci e marcar como novas, você nem vai conseguir fazer o upload. Porque, pela nossa experiência, a gente não está lidando com vendedores profissionais. Se você tem bolsa da Gucci pra vender, provavelmente é uma, e provavelmente não é nova. Então, quando o usuário marca essas categorias, a gente entende que, muito provavelmente, se trata de um produto falsificado”, explicou Gomes.

O Enjoei está desenvolvendo um projeto que envolve, entre outras coisas, a verificação do CPF do usuário. De acordo com a executiva, a ferramenta, que deve estar rodando até o fim do ano, vai servir de grande ajuda no combate à pirataria.

“Tem muito marketplace que trabalha muito mais com pessoa jurídica. Aí você pede contrato social, “dá um google” nessa empresa. Quando você trabalha com pessoa física, que faz isso de uma forma não profissional, acho que este problema se complexifica. É muito difícil fazer um crivo muito grande do vendedor. Essa é a verdade. Mas a gente tem caminhado para validar esse usuário”, disse.

O que aconteceu com a ação?

Enjoei ENJU3
Desde o IPO, em novembro do ano passado, os papéis da companhia acumulam queda de 40% (Imagem: B3/Cauê Diniz)

As ações do Enjoei encerraram seu primeiro dia de negociação com desvalorização de 4,78%, negociadas a R$ 9,76 cada. Desde o IPO, em novembro do ano passado, os papéis da companhia não saíram do vermelho, acumulando queda de 40%.

Além da preocupação do investidor com o sucesso do modelo de negócio, o Enjoei acredita que outros fatores acabaram influenciado o desempenho ruim na Bolsa.

Tiê Lima, que também é CEO da empresa, destacou que esse movimento de baixa não é exclusivo do Enjoei.

“Dados da B3 (B3SA3) mostram que mais da metade das empresas que realizaram IPO nos últimos 12 meses vem apresentando resultados negativos”, afirmou ele ao Money Times.

De acordo com o executivo, existem pontos comuns com outras empresas recém-listadas na Bolsa que explicam a queda das ações do Enjoei. O principal deles é o uso de indicadores avaliados pelo mercado dentro de uma janela de tempo mais curta.

“Decisões estratégicas da companhia contemplam o longo prazo”, disse Lima.

Para ele, alguns indicadores têm um papel importante na hora de construir um elo de confiança com o investidor. Lima acredita que, com o mercado olhando para o índice de retenção de clientes e a recorrência das operações na plataforma, a empresa pode começar a chamar a atenção de forma positiva, consequentemente respigando nas ações.

“Com os controles cada vez mais acurados, esses indicadores são nosso maior ativo. E os investidores saberão valorizá-lo”, completou.

Onda “verde”

Além das iniciativas antipirataria, boa parte do otimismo da XP com o Enjoei leva em consideração a onda sustentável que está varrendo o mercado. A ideia do produto sustentável no segmento da moda está crescendo, o que cria oportunidades interessantes para o Enjoei, que responde por menos de 1% da indústria no país.

O mercado de segunda mão ainda é inexplorado no Brasil, mas se espera que os impactos da pandemia na economia estimulem a busca por itens mais baratos e a venda de roupas usadas como forma de ganhar dinheiro.

A líder de ESG do Enjoei vê a companhia muito bem posicionada em relação à mudança de hábito do consumidor.

Segundo Gomes, o Enjoei chegou ao mercado como uma grande solução para um problema com o qual a indústria da moda ainda não sabe lidar bem: a dificuldade de reciclar peças de roupa.

“Você não vai mais jogar a sua roupa no lixo; vai dar uma nova vida a ela, estender o ciclo de vida útil dela. A gente é um extensor de vida útil dos produtos que vendem”, defendeu.

“As pessoas estão cada vez mais querendo saber de onde vem o produto, para onde vai parar; para onde vai o dinheiro, para onde não vai… Os consumidores estão cada vez mais exigentes, e eles têm razão de estarem exigentes. É meio que um caminho sem volta, e a gente está muito bem posicionada para receber essa nova onda de consumidores”, concluiu a executiva.

Editora-assistente
Formada em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como editora-assistente do Money Times há pouco mais de três anos cobrindo ações, finanças e investimentos. Antes do Money Times, era colaboradora na revista de Arquitetura, Urbanismo, Construção e Design de interiores Casa & Mercado.
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Formada em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como editora-assistente do Money Times há pouco mais de três anos cobrindo ações, finanças e investimentos. Antes do Money Times, era colaboradora na revista de Arquitetura, Urbanismo, Construção e Design de interiores Casa & Mercado.
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