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Rodolfo Amstalden: A jornada do investidor herói

19 ago 2021, 14:11 - atualizado em 19 ago 2021, 14:11
“O herói é justamente o indivíduo capaz de combinar essas duas forças elementares da vida, dosando sabiamente a mistura entre quilos de ordem e gramas de caos” diz o colunista.

Antes de seguir adiante, gosto de iniciar uma conversa — quando necessário — validando a definição de conceitos elementares.

O processo comunicativo só se faz possível se você e o interlocutor puderem concordar sobre a caracterização de algumas premissas básicas.

Por exemplo: qual é, para você, a definição de herói?

Minha definição de herói preferida vem de uma entrevista do Bob Dylan:

“I think of a hero as someone who understands the degree of responsibility that comes with his freedom.”

O que mais gosto nessa frase é que ela pondera a coexistência da ordem e do caos na trajetória do herói. 

Não pode haver caos (liberdade) sem ordem (responsabilidade). 

Dylan provavelmente concordaria com o inverso também: não existe ordem sem caos. 

O herói é justamente o indivíduo capaz de combinar essas duas forças elementares da vida, dosando sabiamente a mistura entre quilos de ordem e gramas de caos.

Falando assim fica bonito, mas o fato é que não vemos mais muitos heróis por aí. Quase todos viraram dentistas ou morreram de overdose.

Se os heróis são incomuns, os investidores heróis são ainda mais raros.

Mergulhados no caos, foram à falência.

Obcecados pela ordem, desistiram de suas posições mediante a primeira crise que apareceu.

Embora o vício do caos esteja estereotipado nas narrativas morais estilo “O Lobo de Wall Street” do senso comum , o vício da ordem é bem mais difícil de se detectar, pois habitamos uma era científica na qual a ordem é superestimada.

O território ordenado domina o imaginário iluminista. 

É aquele em que todas as coisas do mundo se encaixam caprichosamente em nossas gavetas de vontades e expectativas. 

É aquele que os talebianos chamam de “Mediocristão”.

Dentro das fronteiras da ordem, tudo acontece de acordo com os nossos desejos, e podemos calcular trade-offs respeitando a nobre ótica de longo prazo.

Daí deriva o (falso) corolário de que o investidor heroico é um sujeito disciplinado, que sempre investe pensando em longo prazo.

Lord Keynes percebeu a hipocrisia dessa proposição politicamente correta, e você precisa perceber também, se quiser enriquecer de verdade.

O raciocínio em longo prazo é ótimo quando estamos vivendo fases de ordem. Nas fases de caos, porém, pensar em longo prazo é uma excrescência. 

Quando tudo dá errado, o herói — que nunca aprendeu a nadar — mergulha em um mar revolto para salvar sua esposa e seus filhos de dentro da barriga de uma baleia, onde foram parar sabe-se lá como.

Não há nada de racional nesse impulso de mergulhar, nada de longo prazo também. No entanto, é fácil para mim e para você concordarmos que o herói fez o que era certo ao tomar tal decisão.

Sócio-fundador da Empiricus
Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.
Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.