Dólar

Sidnei Nehme: Assimetrias perceptíveis no câmbio e na Bovespa sugerem movimento estruturado

23 jul 2018, 11:06 - atualizado em 23 jul 2018, 11:06

Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO

Às vésperas do início de um trimestre (agosto-setembro-outubro) que se configura pouco propício para a economia brasileira, de vez que é bastante consistente o prenúncio de elevada estagnação no período, que sugere muita precaução e sensatez em todos os segmentos, devendo revelar aumento do desemprego, já sinalizado em junho, contenção de investimentos produtivos, foco mais acentuado sobre grave problema fiscal, queda na renda e consumo, sem recuperação na inadimplência, e muita concentração de foco na sucessão presidencial amplamente indefinida e expectativas quanto às decisões jurídicas que ensejam insegurança, causa estranheza que a Bovespa demonstre força e o dólar sofra depreciação.

Importante ressaltar que o próprio governo, ainda que de forma modesta, começa a sancionar a piora das perspectivas para a inflação, agora admitindo 4,2%, e para o PIB redução a 1,6%, reconhecendo discretamente que o que está ruim está ficando pior, e os números oficiais já revelem em junho retrocesso no quesito geração de emprego, sofrendo ainda relativo desgaste os argumentos atributivos de todas as causas à greve dos caminhoneiros, como já atestou estudo da FGV. Na realidade a greve teve impactos, mas teve o mérito de “colocar a nú” o que já estava ruim, antecipando a percepção no tempo.

Nota-se no conteúdo do Boletim FOCUS, divulgado hoje, que há aparentes inconsistências nas projeções face à realidade e que as colocam atrás da curva da tendência, emitindo sinais defensivos do sistema financeiro de seus interesses ao vislumbrar um IPCA (4,11%) abaixo das potencialidades de altas presentes e um PIB (1,50%) ainda muito otimista, ao mesmo tempo em que sugere um dólar ao preço de R$ 3,55 ao final do ano.

À margem deste cenário perduram indefinições e acirramentos em torno da sucessão presidencial, e o mais preocupante é a forte percepção do desinteresse popular em torno do evento, havendo, exceto por parte do sistema financeiro, baixa reação pública em torno de aglutinações partidárias em apoio a este ou aquele, o que deverá se tornar perceptível nas próximas pesquisas.

Então, o que justificaria a elevação contundente da Bovespa num ambiente adverso para a economia brasileira e com nebulosa perspectiva no momento e, em concomitância, apreciação do real frente ao dólar, quando a moeda americana se valoriza frente às principais moedas globais.

O preço do dólar, como vimos salientando, encontra ponto de intervalo de oscilação sustentável entre R$ 3,80 e R$ 3,95, compatível com os fundamentos e já precificando os eventos próximos e presumíveis sem computar as indefinições sucessórias, com o BC tendo ampla condição de suprir a demanda que ocorrer, seja por proteção, agora pouco provável, ou por liquidez no mercado à vista.

Afora disto poderá ser afetado por fatores imponderáveis não alcançáveis por intervenção do BC, e que neste momento, se ocorrerem terão viés de alta, já que o país no curto prazo, acreditamos, estará sob observação dos investidores nacionais e estrangeiros que deverão conter seus investimentos em conta capital previdentemente, e não deverá suscitar atratividade nem aos especuladores, dado o grau de incertezas.

É crescente a percepção de que o país, dado ao ritmo extremamente inseguro e baixo de recuperação da atividade econômica, só tenderá a retomar ritmo, muito na dependência de quem seja o próximo Presidente, a partir de 2020.

Então, por que razão se observa estes movimentos atípicos e assimétricos em relação à realidade abrangente da situação do país?

Busca-se atribuir ao retorno dos estrangeiros ao mercado. Será?

Há um input político na indução destes movimentos, com o mercado financeiro demonstrando ou buscando demonstrar melhor ânimo pelos fatos que se sucedem no quadro sucessório, como querendo referendar este ou aquele candidato?

Estariam os estrangeiros alavancando preços na Bovespa e operando forçando a depreciação do dólar para encetarem movimento de realização a partir de agosto com os preços das ações mais elevados e o preço do dólar permitindo melhor conversão dos reais e assim saindo com valores maiores em dólares?

Quem sabe um mix destes últimos dois tópicos no nosso entender, pois não esperamos nenhum “céu de brigadeiro” no próximo trimestre, muito pelo contrário.

É nossa expectativa que o volume de saídas da Bovespa se acentue a partir do final deste mês e aprofunde-se a partir de agosto, mas sem impactar diretamente no preço da moeda americana no nosso mercado face à intervenção correta do BC, tendo em vista que as incertezas e dúvidas em torno da sucessão presidencial, os ruídos em torno do fato e a inquietante perspectiva sobre a viabilização da retomada da economia que continua sendo pouco favorável no curto/médio prazo, corroem a atratividade do país.

É bom observar também que crescem as colocações de que a guerra comercial possa evoluir para uma guerra cambial, o que não será fora do propósito, e este é um fator imponderável que para os emergentes poderá impactar na depreciação de suas moedas, porém esta ainda é uma hipótese.

Leia mais sobre:
Giro da Semana

Receba as principais notícias e recomendações de investimento diretamente no seu e-mail. Tudo 100% gratuito. Inscreva-se no botão abaixo:

*Ao clicar no botão você autoriza o Money Times a utilizar os dados fornecidos para encaminhar conteúdos informativos e publicitários.