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Artigo acadêmico gera controvérsia sobre quão difícil é medir a “pegada de carbono” do bitcoin

23 abr 2021, 16:31 - atualizado em 23 abr 2021, 16:34
Um artigo polêmico e deveras incompleto gerou polêmica na comunidade cripto, já que é uma matéria árdua e quase impossível mensurar o impacto exato da mineração de criptomoedas (Imagem: Unsplash/executium)

Este mês, um artigo de um jornal acadêmico revisado por especialistas chegou à conclusão de que, sem intervenções políticas, as emissões de dióxido de carbono (CO₂) pela mineração de bitcoin (BTC) podem prejudicar bastante os objetivos da China em combater as mudanças climáticas.

O artigo, escrito por pesquisadores de diversas universidades chinesas e publicada na Nature Communications, instantaneamente inspirou manchetes parecidas em inúmeros sites de notícias, incluindo BBC, CNN, The Guardian, Economist, CNBC e outros.

Os autores afirmaram que em 2024, o consumo anual de energia pela mineração de bitcoin na China poderá atingir um pico de 269,59 de terawatts por hora (tWh) e gerar 130,5 milhões de toneladas métricas de emissões de dióxido de carbono.

Isso iria exceder o total anual de emissões de gás de efeito estufa da República Tcheca e do Catar, podendo ser uma ameaça à ambição de longo prazo da China em se tornar neutra em carbono.

Porém, os pesquisadores não responderam a duas questões fundamentais, segundo os críticos do documento: onde exatamente estão as máquinas de mineração e qual é a matriz energética?

“Eu esperava que grande parte dos dados tivesse relação a nível provincial, cobrindo a matriz energética dos mineradores chineses”, tuitou Nic Carter, sócio do Castle Island Ventures e cofundador da Coin Metrics.

“Mas não tem isso. Em vez disso, afirmam terem considerado isso, mas não mostraram no trabalho(!). Apenas afirmaram que quantificaram isso.”

No artigo, os pesquisadores afirmaram terem levado em consideração as emissões de carbono tanto da mineração de bitcoin via hidrelétricas e combustíveis fósseis na China.

“Conforme sugerido pelas verdadeiras estatísticas regionais dos mineradores de bitcoin, acreditamos que 40% das máquinas de mineração estão localizadas na área de combustível de carvão”, escreveram eles, sem explicar a origem dessas “estatísticas regionais”.

Após The Block ter entrado em contato com os autores para esclarecer essa questão, Shouyang Wang, professor titular da Academia de Matemática e Ciência de Sistemas da Academia Chinesa de Ciências, respondeu:

Obtivemos as estatísticas pela localização de transmissão de cada pool de mineração da BTC.com.

Com base na localização de cada pool de mineração e a região associada, conseguimos criar a hipótese de que aproximadamente 40% das máquinas de mineração se encontram em locais de combustível de carvão.

Em outra mensagem, Wang explicou o que os autores queriam dizer com “localização de transmissão de cada pool:

As estatísticas regionais de pools no BTC.com sugere uma divisão de aproximadamente 60% a 40% entre regiões com hidrelétricas e com combustível de carvão na China.

A proporção representa o poder computacional indicado em Shenzhen (localização de servidores próximos de regiões com muitas hidrelétricas) vs. Pequim (localização de servidores próximos de regiões com muito combustível de carvão).

A partir da declaração de Wang, parece que os pesquisadores basearam essa suposição em outra: que a localização de pools de mineração corresponde diretamente à localização de máquinas de mineração individuais.

Mas isso seria um equívoco de como as máquinas e os pools de mineração de bitcoin funcionam na prática.

Grande parte dos dados está desatualizada e incompleta; a participação da China na capacidade de mineração total da rede Bitcoin caiu significativamente nos últimos doze meses (Imagem: Facebook/Greenidge Generation LLC)

Pools de mineração de bitcoin agregam poder de hashing de qualquer máquina individual que querem conectar seu serviço para minerar blocos de forma coletiva.

Apesar de a F2Pool estar em Pequim, isso não significa que todas as máquinas conectadas ao pool também estão localizadas lá. Na verdade, eles podem estar em qualquer lugar da China ou do mundo.

Wang também confirmou que não obtiveram estatísticas internas de grandes pools de mineração sobre a geolocalização exata de cada um de seus clientes de mineração.

Em vez disso, eles usaram dados da Universidade de Cambridge, “que mostraram que 40% da taxa de hashes são impulsionadas por regiões com combustível de carvão, como Xinjiang e Mongólia Interior em abril de 2020”, segundo Wang.

Porém, os dados da Universidade de Cambridge estão desatualizados há um ano e a composição da rede de mineração está sempre mudando. Por exemplo, a participação da China na capacidade de mineração total da rede Bitcoin caiu significativamente nos últimos doze meses.

É impossível medir?

Hipóteses à parte, o debate sobre a metodologia do artigo levanta uma questão que está sendo difícil de ignorar conforme o bitcoin e outras criptomoedas se popularizam: como a matriz energética da rede Bitcoin pode ser medida com precisão?

A realidade é que a natureza descentralizada do bitcoin e de sua mineração torna extremamente difícil quantificar quanto da energia que a rede utiliza vem de energias renováveis ou não — fora as estimativas referentes às emissões de carbono.

O Cambridge Center for Alternative Finance (CCAF) realizou uma das mais novas tentativas de responder à pergunta com seu Índice de Consumo de Energia Elétrica do Bitcoin (CBECI).

O CBECI estima o consumo total de energia com um limite teórico inferior e superior entre 35 e 391 tWh anualmente.

O limite inferior supõe que todas as máquinas de mineração usando hardwares com baixo consumo de energia disponíveis todo o tempo enquanto o limite superior supõe que todas as máquinas estão usando os hardware menos eficientes o tempo todo.

O pesquisadores por trás do CBECI dão uma estimativa com “a melhor suposição” — com base na hipótese de que máquinas usam “uma cesta de hardwares rentáveis em vez de um único modelo” — de que a rede consome 113,88 tWh anualmente; quase o mesmo consumo dos Países Baixos.

O CBECI também fornece um panorama geográfico da taxa de hashes do Bitcoin com base em dados fornecidos por três pools de mineração de bitcoin: BTC.com, ViaBTC e Poolin.

O mapa de mineração do artigo, de abril de 2020, mostra que mineradores em Xinjiang e Mongólia Interior — duas regiões chinesas que utilizam combustíveis fósseis — totalizaram quase 40% da taxa global de hashes.

Enquanto isso, províncias hidrelétricas, como Sichuan e Yunnan, totalizaram quase 25% há um ano, segundo o CBECI.

Mas esses números não foram atualizados desde abril de 2020 e os dados foram fornecidos por apenas três pools que, juntos, totalizam apenas 35% da taxa de hashes total.

Além disso, o mapa de mineração do CBECI apenas capta o panorama geográfico da taxa de hashes entre setembro de 2019 e abril de 2020, período de seca na China.

Segundo o “disclaimer” do CBECI: “em alguns países e, principalmente, na China, operações de mineração tendem a migrar entre localizações de acordo com variações sazonais na produção de energias renováveis. Esses padrões de migração só podem ser observados ao selecionar um período mais longo para a análise”.

Durante a temporada de seca, um número significativo de mineradores nas províncias de Sichuan e Yunnan, no sudoeste da China, migram para o norte, em Xinjiang ou Mongólia Interior, onde a matriz energética tende a ser baseada em carvão.

Após o retorno da temporada de chuvas, que vai de maio a setembro, alguns podem voltar para o sul, onde existe bem mais energia hidrelétrica na matriz.

Uma contabilização mais precisa exigiria uma cooperação ao longo do ano de uma quantidade suficiente de pools de mineração de bitcoin que componham uma parte maior da taxa de hashes.

Seriam necessários não apenas a geolocalização de protocolos de internet (IPs) de cada máquina de mineração — seja em Sichuan, Yunnan, Xinjiang ou Mongólia Interior —, como também o modelo exato de cada máquina.

Isso porque as máquinas de mineração de bitcoin evoluíram significativamente nos últimos anos e diversos modelos antigos ainda estão sendo utilizados.

Por exemplo, para computar a mesma quantidade de taxas de hash, o modelo S9, de cinco anos atrás, da série Antminer, consome quatro vezes a quantidade de energia elétrica utilizada por S19 Pro, o modelo mais eficiente do mercado atualmente.

É quase impossível saber qual é a composição exata das máquinas sendo utilizadas, principalmente durante um ciclo de alta, quando inúmeros modelos ultrapassados ainda podem ser usados para obter rentabilidade.

Outra abordagem técnica — apesar de ser algo bem mais difícil — seria convencer autoridades energéticas em diferentes países a identificar quantas fazendas de mineração de bitcoin existem localmente e quanta energia consomem.

Confira, abaixo, o estudo:

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