Opinião

Os efeitos econômicos escondidos do coronavírus

03 maio 2020, 12:00 - atualizado em 01 maio 2020, 18:35
Bancos Auxílio emergencial Coronavírus
Agora, as pessoas precisam produzir serviços que, em condições normais, poderiam ser adquiridos por meio do mercado ou de provisão do governo (Imagem: Reuters/Ricardo Moraes)

O coronavírus caiu como uma hecatombe na economia mundial. Cadeias de produção interrompidas, consumo em queda, risco de quebradeira geral de empresas e, provavelmente, desemprego em massa.

Mas há um efeito menos óbvio da doença sobre a produtividade agregada da economia.

Agora, as pessoas precisam produzir serviços que, em condições normais, poderiam ser adquiridos por meio do mercado ou de provisão do governo.

E isso as desvia das atividades que desempenham relativamente melhor.

Coisas como cortar o cabelo, fazer comida ou dar aula para crianças – que muitas vezes eram feitas fora de casa – viraram objetos da chamada produção doméstica como resultado das quarentenas ocasionados pela Covid-19.

O problema é que o tempo e energia dos indivíduos são limitados. Essas atividades acabam competindo com a atividade profissional principal das pessoas, na qual elas em geral apresentam uma produtividade mais alta. Afinal, foi nesta que elas escolheram se especializar.

Há inúmeros relatos de indivíduos que não estão conseguindo trabalhar como gostariam durante a quarentena, em parte por causa do trabalho que precisam realizar em casa.

Isso tende a diminuir o grau de especialização na sociedade, o que contribui para derrubar a produtividade agregada da economia.

Certamente muitas dessas pessoas são boas também nessas atividades. Pais dão uma importância enorme para a educação de seus filhos e estão se esforçando bastante nessa tarefa. Não duvido que várias crianças estejam se beneficiando desse contato maior com os pais.

Mas, para a sociedade, trata-se de um desperdício. Essa pessoa provavelmente apresenta um desempenho relativo melhor em outra atividade do que ensinando crianças. No linguajar do economista, ela tem vantagem comparativa em outra função, e não em dar aula. Tanto é assim que sua atividade principal não é a de professor.

Mesmo que a pessoa seja professora, temos um desperdício. Afinal, ela poderia estar ensinando outros alunos, e não apenas seus filhos, liberando o tempo e a concentração dos pais para suas atividades profissionais principais.

David Ricardo nos ensinou essa ideia há duzentos anos, e ela nunca esteve tão viva.

Um exemplo ajuda a ilustrar. Dizem que Pelé era um excelente goleiro. Suponha que ele tenha sido até mesmo o melhor goleiro do mundo. O técnico deveria tê-lo colocado no gol?

Trazendo para a teoria econômica, diríamos que Pelé tem vantagem absoluta tanto como goleiro quanto como atacante.

Mas, relativamente, ele era melhor atacante: quando comparado a outros da mesma posição ele era bem melhor, do que na comparação com outros goleiros. Em outras palavras, ele tinha vantagem comparativa como atacante.

Colocá-lo no gol seria um desperdício, mesmo ele sendo muito bom nisso, pois abriríamos mão de sua performance anormal como atacante. É preferível ter um goleiro não tão bom assim. Com isso, é possível especializar e ganhar produtividade.

Hoje, em nossas casas, essa especialização ficou muito difícil. Todo mundo está fazendo as vezes de goleiro e de atacante – e quiçá de muitas outras coisas. Isso está prejudicando a produtividade da economia. Que passe logo.

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