Economia

Copom: Por que a taxa Selic sobe e a inflação não dá trégua?

16 mar 2022, 12:18 - atualizado em 17 mar 2022, 9:51
Inflação/Selic
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 1,56% em 2022 e, nos últimos 12 meses, de 10,54%. (Freepik)

Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) vai anunciar nesta quarta-feira (16) mais um aumento da taxa básica de juros. A expectativa do mercado é que seja uma alta de 1 ponto percentual, que elevará a Selic de 10,75% para 11,75%.

A última vez em que a Selic esteve na casa dos dois dígitos foi em 2016. Quando o ex-presidente Michel Temer (MDB) assumiu o governo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a taxa básica de juros no país estava em 14,25%.

A partir de outubro daquele ano, a Selic começou a cair até que atingisse a sua mínima histórica dos 2% em agosto de 2020. Permaneceu desta forma até março do ano passado, quando foi elevada para 2,75%, e vem subindo desde então.

A taxa voltou a ter dois dígitos em fevereiro, quando o Copom anunciou no dia 2 uma alta de 1,5 ponto percentual, elevando a Selic para 10,75%.

Freando a inflação?

Dados divulgados pelo IBGE na última sexta-feira (11) mostram que a inflação para o mês de fevereiro foi de 1,01%, 0,47 ponto percentual acima do registrado em janeiro (0,54%). Foi a maior variação para um mês de fevereiro desde 2015.

Com isso, no ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 1,56% e, nos últimos 12 meses, de 10,54%.

As projeções para 2022 têm sido constantemente reajustadas. A última edição do Boletim Focus, divulgada na segunda-feira (15), indicou um salto na previsão do IPCA para o ano de 5,65% para 6,45%.

O aumento veio após os reajustes anunciados pela Petrobras (PETR4) para o preço dos combustíveis em suas refinarias, resultado da alta exponencial do valor do barril do petróleo, que na semana passada chegou a ultrapassar os US$ 130.

Aumentar a taxa básica de juros é o principal instrumento de política monetária que o BC tem para segurar a inflação, visando “desaquecer” a economia. No entanto, ainda que a Selic esteja subindo há um ano, a inflação, por outro lado, não está arrefecendo.

André Braz, economista e coordenador do índice de preços ao consumidor do Ibre (FGV), diz que aumentar a Selic é um mecanismo bem utilizado quando se trata de uma inflação de demanda, já que com os juros mais altos, as pessoas consomem menos e investem mais.

No entanto, não é só por meio da demanda que a alta dos preços se manifesta. Ele cita como exemplo o avanço dos custos de produção, que são repassados para o preço final, a fim de se preservar as margens.

“Muitas das cadeias produtivas que foram desmobilizadas na Covid-19 continuam desmobilizadas, não estão 100% [recuperadas] ainda. Não temos uma oferta de matérias primas na quantidade que tínhamos antes da Covid”, diz.

Fábio Romão, economista da LCA Consultores, também destaca que há “vários tipos de inflação”, e o que vem acontecendo há dois anos é um “choque clássico de oferta”, que está sendo agravado pela guerra entre Rússia e Ucrânia.

“Por conta da pandemia, houve um desarranjo das cadeias produtivas globais. Você tem dificuldade de obtenção, por exemplo, de peças e componentes para montagem de um carro. Você teve uma supervalorização de preços de commodities e, mais recentemente, a guerra entre Rússia e Ucrânia, que atrasa esse processo. Como se trata de um choque de oferta, a efetividade dos juros é menor”, diz.

Caso se tratasse de uma inflação exclusivamente de demanda, o aumento da Selic seria mais efetivo, segundo o economista. No entanto, há muitos fatores que “vêm de fora”. Por isso, Romão afirma que o processo de alta dos juros que vai ter continuidade hoje já mira o ano de 2023.

Já Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos, também destaca outro fator que pesa para que a inflação demore a dar trégua — a chamada “inércia”.

“A inflação do ano passado tem sido muito alta. Ela indexa alguns contratos, algumas tarifas, e isso se reflete na inflação deste ano. Não tem muito o que o Banco Central possa fazer para combater os reajustes. Em muitos casos, são automáticos. Basta ver como e como é ajustado o salário mínimo por aqui”, diz.

Além disso, o economista destaca que também deve-se levar em conta o tempo que demora para que a política monetária tenha efeito na inflação.

“A gente ainda não teve na inflação o efeito dessas altas de juros mais recentes. Isso vai ser sentido mais no segundo semestre e no começo de 2023. Aí sim, a gente deve ver a parte da inflação que depende de política monetária, e a parte que é mais ligada a serviços, finalmente, cedendo. Mas é isso: a inflação está alta não só no Brasil, como no mundo inteiro”, avalia.

Rússia x Ucrânia

O conflito entre os dois países já se estende por 20 dias (Imagem: REUTERS/Viacheslav Ratynskyi)

A guerra entre Rússia e Ucrânia já se estende por 20 dias e ainda não mostra sinais de quando pode terminar.

Braz reitera que o conflito segue desmobilizando as cadeiras produtivas pelo mundo porque as sanções contra a Rússia obrigam as grandes nações a se relacionarem comercialmente, mesmo que elas não tenham uma relação próxima.

“Esse reestabelecimento de parcerias comerciais também pode gerar gargalos na estrutura produtiva, já que você não vai conseguir oferta de matéria prima de maneira tão abundante como conseguiria em uma situação em que as nações se relacionam cordialmente. O conflito geopolítico prejudica o mundo inteiro e isso também tende a se transformar em inflação”.

Ele lembra, por exemplo, do aumento dos preços dos combustíveis, anunciados pela Petrobras (PETR4) na última semana, por conta do preço do barril do petróleo. Essa alta se espalha, consequentemente, para diversos setores.

“[A alta dos combustíveis] Pode virar aumento de frete, que se transfere para o preço final dos produtos. Pode virar aumento de ônibus urbano, que pesa no orçamento familiar”.

“O petróleo também é matéria prima para adubos e fertilizantes, para tubos de PVC, para partes plásticas de automóveis, para garrafas PET, para garrafas de água mineral, para sacos plásticos, para tecidos de poliéster. São muitas as aplicações na sociedade moderna. Então, se o preço sobe, ele vai espalhar essas pressões inflacionárias por longas cadeias”.

O preço do trigo também foi impactado, o que mexe diretamente com o valor de diversos alimentos, inclusive aqueles da cesta básica. Por isso, ele aposta que o BC pode apertar ainda mais e anunciar uma alta um pouco maior do que a de 1 p.p., como o mercado está apontando.

O economista ainda avalia que essa elevação, que deve acontecer porque o fenômeno da inflação está mais resistente, vai garantir entrada de recursos em dólar no país, já que muitos investidores estrangeiros têm procurado o Brasil justamente por isso. Contudo, é necessário ter moderação.

“Isso vem segurando a nossa taxa de câmbio, o que é importante porque se ele desvaloriza muito, a inflação também sobe. Mantê-lo valorizado em R$ 5 é uma boa estratégia para tentar segurar os seus efeitos na inflação. Mas é um trabalho delicado. Isso vai gerar um mega desafio para a autoridade monetária, que é segurar a inflação sem piorar as condições para o crescimento econômico. As previsões de PIB para este ano já são ruins. Para não piorar, também não pode subir muita a taxa de juros”.

Editora
Jornalista paulistana formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e editora do Money Times. Passou pelas redações da CNN Brasil e TV Globo como produtora, VOCÊ S/A e VOCÊ RH como repórter e Exame.com como redatora estagiária.
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