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O Halloween já passou? Os reflexos para o agro com ‘nova velha’ política de Trump e o risco de dominância fiscal

06 nov 2024, 18:36 - atualizado em 06 nov 2024, 18:41
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Eleição de Donald Trump deve implicar em um maior protecionismo dos EUA; cenário político do Brasil potencializa o desarranjo fiscal (iStock.com/eli_asenova)

Nas colunas de junho e julho, tentamos fazer um exercício de futurologia apontando para os potenciais cenários do agro brasileiro para o final do ano, considerando inúmeros fatores, dentre eles as eleições municipais no Brasil e as eleições norte-americanas dessa semana.

Agora que a realidade bateu na porta, trazendo Donald Trump à Casa Branca novamente e as eleições brasileiras se definiram com esmagadora vitória da chamada “centro-direita”, além da decisão do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) desta quarta-feira (6) em um cenário de possível “Dominância Fiscal”. 

Acreditamos ser o momento de finalizarmos uma série de exercícios de futurologia para esse ano, já que o futuro chegou com muitos dos ingredientes que já havíamos colocado na sopa das últimas colunas, além de algumas pitadas a mais de pimenta bem mais ardida do que a tradicional malagueta. 

Cenário político aponta algo bastante familiar

Como já havíamos mencionado antes na seara política não vemos – nem nós, nem a maioria dos analistas de mercado – novidade impactante nas políticas de Trump, que já conhecemos desde o seu primeiro mandato.

Essas políticas se baseiam no aumento do protecionismo, política energética sem subsídios e aperto na questão migratória, além da ampliação da guerra comercial com a China e a menor participação dos EUA nos órgãos e políticas multilaterais. 

Nessa seara, potencialmente podemos ter um retorno da taxação sobre importações chinesas e, portanto, potencial favorecimento do comércio Brasil-China com aumento de preços de alguns dos principais produtos de exportação do nosso agro como a soja e a carne bovina, por conta da necessidade da China acessar esses produtos brasileiros, o que pode favorecer nossa pauta de exportações e acúmulos de divisas, além de aumento e PIB do setor. 

Por outro lado, os preços internacionais de commodities agro ambientais como as derivadas de redução de GEEs (Gases do Efeito Estufa) e outros impulsos coordenados internacionalmente para uma economia mais verde, cujo protagonismo do agro brasileiro seria inevitável, deve ser diretamente afetado pela potencial retomada da postura dos EUA de boicotar esses acordos internacionais. 

Já aqui no Brasil, o cenário político aponta para algo também muito familiar ao que já temos visto e repetido.

Com o Governo Federal cada vez mais refém de sua pouca capacidade de governar, oferecendo soluções políticas e econômicas para o destravamento da economia que sejam mais efetivas do que a falácia da reforma tributária, se potencializa o desarranjo fiscal.

Isso acaba por materializar de vez a perigosa “Dominância Fiscal”, principalmente num cenário em que o partido que governa o país e suas coligações perderam fragorosamente as eleições municipais para a chamada “centro-direita” e, portanto, reduziu a capacidade de articulação política e, de quebra, as chances de chegar a uma solução político-administrativa factível para o descalabro fiscal em que se meteu.

O que seria a tal da dominância fiscal? 

Muitos economistas de peso têm trazido o tema para o centro do debate econômico, principalmente por conta dos aumentos seguidos das taxas básicas de juros pelo Copom e a insuficiência desses aumentos para conter a escalada das taxas de câmbio e da própria inflação, diante da ocorrência deste fenômeno.

A dominância fiscal é quando o exercício da política monetária pelo Banco Central – os aumentos das taxas de juros e tentativa de controle de preços com os instrumentos clássicos de política monetária deixam de funcionar porque o maior sabotador dessa política é o próprio Governo Federal que, com o descontrole orçamentário e descompasso fiscal, por falta do dever de casa de cortar gastos, precisa desesperadamente recorrer a empréstimos dos poupadores para sobreviver e pagar suas despesas básicas já que não consegue mais equilibrar suas contas e trabalhar dentro do que arrecada.

É como um dono ou dona de casa que gasta sempre mais do que ganha e já não faz qualquer esforço para cortar gastos e que para cobrir as contas, obtendo os recursos financeiros de que tanto necessita, recorre ao cunhado ou ao “primo” da vez oferecendo taxas cada vez maiores de juros (ou vantagens econômicas adicionais) para seduzi-lo a emprestar recursos a fundo perdido.

Ocorre que uma hora o cunhado ou o primo percebem que não vão receber – e o dono ou dona de casa já sabe que não vai conseguir pagar pelos empréstimos – e mesmo com altíssimas taxas de juros ofertadas para se obter recursos para cobrir o rombo nas contas dessa família, não conseguem mais obter recursos e daí a relação azeda de vez, atrapalhando até a famosa “macarronada de domingo”.

Efeito estrutural negativo sem ancoragem de expectativas

Dessa maneira, de tanto os juros ficarem altos, a economia não deslancha e, pior, as pessoas deixam de tomar recursos para pagar adiante já que o custo do dinheiro é maior do que o potencial margem de lucro da utilização do dinheiro de terceiros.

Quem empresta também começa a não querer mais emprestar seu dinheiro e se submeter aos riscos do tomador, mesmo com taxas altas de juros a serem pagas pelo empreendedor do campo ou da cidade, enfraquecendo então a economia.

Por isso, principalmente o agro brasileiro, que precisa de cerca de R$ 1 trilhão por ano para se financiar e produzir, diante de desafios de preços baixos, questões de clima para a próxima safra, maiores riscos de crédito – por conta do aumento da inadimplência, segundo estudo da Serasa da semana passada – mesmo com um cenário político já definido, não tem tomado recursos do Plano Safra, nem buscado as novas alternativas de financiamento, já que as taxas de juros estão estruturalmente altas e mesmo elevadas não conseguem ancorar as expectativas dos agentes, produtores e demais envolvidos na cadeia do agro em relação ao sucesso da produção e à manutenção das atividades em níveis competitivos.

O momento do setor 

Escrevemos essa coluna antes do Copom divulgar a taxa que deve ficar em cerca de 11,25%, ou seja, mantendo os patamares estruturalmente altos e apontando para a ineficácia dos aumentos sucessivos que sugerem Dominância Fiscal.

Por outro lado, o plantio da próxima safra, mesmo com essa dificuldade estrutural acima descrita, está a mil por hora, já que a retomada das chuvas têm ajudado e estão vindo em grande volume em todo o país. 

O empreendedorismo do produtor rural e seu compromisso com a sua atividade continuam os mesmos. Os marcos regulatórios e ferramentas para se financiar o campo estão aí disponíveis e cada vez mais modernizados para trazer segurança jurídica aos negócios no campo.

Outros fatores estruturais como demanda firme – e até potencial aumento das compras da China por conta do cenário dos EUA – sugerem recuperação de preços para a próxima safra, como está acontecendo agora, por exemplo, com a carne bovina e a soja.

Entretanto, como canja de galinha e um pouco de cuidado nunca fizeram mal a ninguém, tanto o produtor que atua diretamente no campo, quanto os demais empreendedores da cadeia ampla do agronegócio devem ficar atentos aos custos financeiros altos e aos sinais do mercado, além de comprar um espantalho maior para colocar na “roça” para afugentar de vez os maus agouros de um Halloween que insiste em não passar, para que a próxima safra seja cheia de graças.

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André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
andre.passos@moneytimes.com.br
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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