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O que o ‘espírito’ de nosso tempo traz para as organizações?

23 set 2022, 15:43 - atualizado em 23 set 2022, 15:43
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(Imagem: fran innocenti/Unsplash)

Zeitgeist é uma palavra-conceito em alemão que significa “espírito do tempo”. Somos todos reflexos da moldura do tempo em que vivemos, com experiências e olhares condicionados pelos paradigmas vigentes. Entretanto, quando usamos nosso potencial criativo e damos vazão a nossas inquietudes empreendedoras, inovamos para romper os padrões desbotados que já não nos satisfazem.

Não devemos julgar o impacto dos bandeirantes, as obras de Monteiro Lobato, a aceitação social do absolutismo monárquico com o paradigma de hoje. Podemos fazer reparos, ressalvas, e até condenações, mas sempre minimamente balanceados pelo espírito da época que analisamos.

Para os dias atuais das organizações, é essencial captar o espírito de nosso tempo, alinhando nossos esforços de inovação para que façam sentido na arena contemporânea.

A inovação de boa parte do século XX era direcionada pelo desenvolvimento tecnológico, promovido por centros de pesquisa em sistemas fechados até que, na virada do século, o novo paradigma se tornou a inovação inspirada por clientes e gerada por sistemas abertos.

O trabalho em tempos medievais era realizado geralmente nas próprias residências, em convivência familiar, misturado com as demais atividades humanas até que a revolução industrial separou e especializou tarefas, movendo-as para distantes parques industriais com jornadas de tempo definidas, sob forte vigilância e controle. 

Hoje, o mundo virtual, pós-pandemia, está se debatendo com as possibilidades de trabalho remoto e híbrido em que se requer autonomia e confiança. Passei quase três décadas numa mesma organização, assim como meu pai militar e meu avô bancário. Para meu filho, a vida deverá ter muitas carreiras, paralelas ou sequenciais, com esse movimento nômade que busca mais equilíbrio e saúde, menos estabilidade, mais flexibilidade e conexão com propósitos.

Sua organização está bem sintonizada com estes ventos que tanto caracterizam nosso tempo, soprando inovação aberta, ambientes de trabalho flexíveis, liderança compartilhada, transformação digital, desenvolvimento sustentável?

Em boa parte do século XX, uma das maiores aspirações empresariais era a criação de grandes conglomerados. A General Electric foi um de seus maiores exemplos, começando a vida no mercado de eletricidade com o célebre e polêmico inventor Thomas Edison, mas investindo em fusões, aquisições e novos negócios que ampliaram sua atuação para mídia (é uma pioneira do rádio e televisão), energia, saúde, aviação, serviços financeiros, plásticos, trens, eletrodomésticos, entre outros.

Ao longo dos últimos anos, a empresa foi desinvestindo e se concentrando em alguns mercados até que em 2021, anunciou sua reorganização e separação em três empresas distintas, voltadas para os mercados de Aviação, Energia e Saúde

Na mesma época, a Johnson & Johnson’s também anunciou sua separação em duas empresas diferentes, uma voltada para consumo e outra para o mercado médico-hospitalar.

Já contei muitas vezes a história da 3M que se tornou um dos conglomerados mais diversificados do mundo. Outro dia, me perguntaram numa palestra o que eu achava que aconteceria com a 3M e outros conglomerados. Respondi que o “espírito do tempo” tinha mudado completamente.

Mudança do “espírito do tempo”

Se antes, investidores apoiavam a diversificação e ampla expansão, agora cobram foco em competências centrais, estruturas enxutas e prioridades estreitas. A direção atual é diminuir, priorizar, concentrar. Semanas depois, a 3M anunciou o spin-off do seu grupo de Negócios de Saúde e está se posicionando para focar em ciência de materiais.

O capitalismo, por muitas décadas, vem priorizando apenas o acionista, pressionando as organizações para buscarem crescimentos infinitos, alcançarem escalas gigantescas, concentrando operações, perseguindo ganhos de escalas, sem considerar seriamente outros stakeholders.

A Natura & Co, uma inspiração empresarial brasileira de propósito, tecnologia e sustentabilidade, entre várias dimensões, foi crescendo organicamente e comprando outras companhias. Em setembro, sentiu baque de quase 10% no valor de suas ações ao indicar que reorganizará suas operações, unindo estruturas de Natura e Avon na América Latina, e lidando com rumores de que possa vender a The Body Shop e separar a operação da australiana Aesop. 

É um paradoxo curioso. O mercado espera que a empresa se torne gigantesca e capitaliza essa ascensão, viabilizando aquisições e novos negócios; quando ela fica enorme, o mercado pressiona para ela voltar a ser mais leve, menos complexa, mais focada, abandonando “distrações” na absurda e irracional perseguição ao crescimento pujante infinito.

Mas também podemos ver movimentos na contramão dessa tendência. A ByteDance é um gigantesco conglomerado de tecnologia chinês, mais conhecido pela plataforma TikTok. Expandiu-se para adjacências previsíveis como a plataforma de streaming de vídeos Xigua e o agregador de notícias Jinri Toutiao.

Começou com incursões na área de saúde, desenvolvendo o aplicativo para consultas Xiaohe até decidir em agosto comprar uma das maiores redes hospitalares da China, a Amcare Healthcare.

No pacote, a ByteDance tem ainda uma rede de cafeterias, lojas de conveniência, marca de alimentos saudáveis, empresa de logística, negócios de biotecnologia, entre outros, compondo uma espécie de GE da nova economia no século XXI. Valerá acompanhar o ciclo da ByteDance nestes próximos anos para ver se nadar contra a maré também pode funcionar.

Já sabemos que não existe receita mágica definitiva. Como dizia há décadas minha professora Christina Leite, de teoria da administração da FGV, em gestão, tudo depende. Porém, sempre tem algo lá fora, ainda que invisível, trazendo impacto concreto em nossas vidas que é o Espírito de nossa época, as crenças e ideias que pairam em nossa sociedade em determinado momento.

Como inovadores, devemos entender dessas molduras para alavancar nossas ideias dentro dessas bases ou, pelo contrário, para revolucionar e romper com os padrões vigentes como fizeram tantos artistas como o centenário movimento de arte moderna, a turma do samba, da bossa-nova e da tropicália, os movimentos da cultura rap, entre tantos quebradores de paradigmas culturais. Também na administração, podemos e devemos romper barreiras. 

Neste final de agosto, li mensagem alvissareira sobre uma companhia que já acompanho há tempos por seu pioneirismo sustentável e sua “inadequação” às práticas ortodoxas de mercado.

A Patagonia é aquela empresa californiana de roupas para uso outdoor, que celebrará 50 anos em 2023 e que já nos surpreendeu em muitos episódios.

Nestes dias, seu fundador, Yvon Chouinard, com 83 anos, divulgou uma carta que pode ser lida na íntegra no site da sua empresa. Pensando em contribuir mais significativamente no combate à crise ambiental e na preservação da geração de valor que idealizou dentro de uma visão sustentável, o empreendedor se viu numa encruzilhada. 

Uma opção seria vender a empresa e doar o dinheiro para defensores de causas ambientais, com a dúvida permanente sobre se o novo proprietário iria abraçar os mesmos valores culturais da Patagonia.

Uma segunda opção seria tornar a empresa pública, com capital aberto. Na visão de Yvon, isso seria um iminente desastre, já que muitas empresas de capital aberto, mesmo as muito bem intencionadas, sucumbem à pressão para o lucro de curto-prazo, sacrificando responsabilidades mais amplas. O jeito foi criar sua terceira via.

100% das ações com direito a voto foram transferidas para o Patagonia Purpose Trust, criado para proteger os valores originais da empresa. 100% das ações sem direito a voto foram cedidas ao Holdfast Collective, uma organização sem fins lucrativos dedicada a defender a Natureza. Assim, anualmente, o lucro gerado, depois de reinvestido no negócio, financiará atividades de combate à crise ambiental.

Dando uma estocada no capitalismo de shareholder, ainda majoritariamente predominante, este exemplo da Patagonia traz luz a outras alternativas, estimula novos comportamentos, considerando diversos stakeholders, com destaque para nosso planeta. 

Felizmente, não é caso único e isolado. O espírito de nosso tempo se depara com muitos problemas, mas também traz esperança e estimula ação na direção do equilíbrio, de uma concepção holística, de uma atuação consciente.

Que a gente consiga regar e nutrir as melhores sementes de nossa época!

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Head de Marca & Comunicação da 3M do Brasil
Serafim é professor, palestrante, Head de Marca & Comunicação e Líder de Inovação da 3M, onde atua desde 1994. Palestrante com mais de 950 apresentações sobre Criatividade, Inovação e Negócios, é professor de Gestão de Marketing e Inovação nos cursos da Inova Business School e ESALQ/USP. Formado em Administração (EAESP/FGV) e Publicidade (ECA/USP), tem especialização em Desenvolvimento do Potencial Humano (PUCCAMP) e em Psicologia Positiva (PUC/RS). Co-Criador do Programa de Desenvolvimento de Liderança The Leadership Way em que atua como Guia da Liderança Colaborativa. Autor do livro “O Poder da Inovação”, publicado pela Ed. Saraiva e idealizadordo Programa Inspira.mov sobre Criatividade e Empreendedorismo, veiculado pela TV Cultura.
Serafim é professor, palestrante, Head de Marca & Comunicação e Líder de Inovação da 3M, onde atua desde 1994. Palestrante com mais de 950 apresentações sobre Criatividade, Inovação e Negócios, é professor de Gestão de Marketing e Inovação nos cursos da Inova Business School e ESALQ/USP. Formado em Administração (EAESP/FGV) e Publicidade (ECA/USP), tem especialização em Desenvolvimento do Potencial Humano (PUCCAMP) e em Psicologia Positiva (PUC/RS). Co-Criador do Programa de Desenvolvimento de Liderança The Leadership Way em que atua como Guia da Liderança Colaborativa. Autor do livro “O Poder da Inovação”, publicado pela Ed. Saraiva e idealizadordo Programa Inspira.mov sobre Criatividade e Empreendedorismo, veiculado pela TV Cultura.
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