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Pierre Schurmann: Por que a verticalização faz sentido para startups?

08 mar 2021, 19:30 - atualizado em 08 mar 2021, 19:32
Startup
“A estratégia da verticalização segmenta um mesmo mercado ou setores específicos da indústria que apresentam uma oportunidade de fornecer serviços de alto valor agregado”, afirma o colunista (Imagem: Agência Câmara dos Deputados/Ilustração)

Você vai dar um jantar e conclui que o vinho ideal para acompanhar o cardápio é um Chablis. Decide, então, ir ao supermercado perto de casa e não acha.

Mas como é a melhor escolha de harmonização, insiste e vai a uma importadora de vinhos pequena. Sem sucesso: a loja não trabalha com Chablis. Aí finalmente você recorre a um empório do vinho, que atende diversas faixas do mercado. Lá está ele!

Outra situação. Você quer procurar um móvel para sua sala. Se for a um shopping center comum, terá sorte de achar o produto naquelas características. Indo a um centro especializado em móveis, a oferta é naturalmente maior e sua procura tende a ser mais frutífera.

O que as duas situações têm em comum? Ambas diferenciam modelos de negócio horizontal e vertical. O supermercado oferece de vinho a lâmpadas, de arroz a bucha de banho. O produto oferecido ao gosto médio, assim como no shopping center, pode não atender necessidades específicas.

A estratégia da verticalização segmenta um mesmo mercado ou setores específicos da indústria que apresentam uma oportunidade de fornecer serviços de alto valor agregado e uma margem significativa.

Entre os benefícios desta estratégia estão o atendimento especializado, de acordo com as necessidades do cliente, um potencial forte de fidelização, maior liberdade na definição dos padrões de negócio e ambiente de mercado.

A maior proximidade com usuários e clientes gera um conhecimento mais profundo do segmento e tende a gerar uma operação de marketing mais simples e eficiente.

Chamar tecnologia de setor hoje em dia é relativamente arriscado, dada a progressiva confiança que empresas de diversas indústrias e tipos de serviço depositam nela para conseguirem crescer e se desenvolver. A profusão de empresas com sufixo tech é prova disso.

O desenvolvimento tecnológico, sobretudo na área de software (e aplicativos), em geral, parte de uma lógica fragmentada, com linguagens que muitas vezes sequer conversam entre si. Quem lembra do tempo em que o Linux era quase totalmente incompatível com os softwares escritos para MacOS ou Windows? Ou dos celulares antes da consolidação em Android e iOS?

Com o tempo, a demanda de mercado tende a escolher uma ou duas plataformas, mas é um processo relativamente orgânico. E por que não fazer esse processo de uma forma mais estruturada?

Existe um caso de sucesso emblemático de verticalização: chama-se Constellation Software Inc. (CSI), uma multinacional fundada em 1995 no Canadá que é líder no fornecimento de softwares e serviços.

A estratégia da Constellation se baseia na aquisição de empresas de menor porte que atuam em indústrias com alto grau de dependência de soluções tecnológicas, de olho na performance financeira no médio e longo prazo. A partir disso, busca um relacionamento profundo com seus cerca de 125 mil clientes espalhados por uma centena de países.

Ao longo de 26 anos, foram cerca de 250 aquisições realizadas pela Constellation em 75 verticais diferentes, atingindo um faturamento de US$ 3,9 bilhões no ano fiscal de 2020. Apenas no 4º trimestre de 2020, a CSI adquiriu 18 empresas, o equivalente a US$ 179 milhões ou metade do cash flow livre da empresa.

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A holding se relaciona com seus grupos de forma descentralizada. A CSI atua em melhorias operacionais e ajuda no direcionamento estratégico (Imagem: Unsplash/@nesabymakers)

Como funciona a CSI

De forma resumida, a Constellation é composta por uma holding, seis grupos operacionais e os respectivos Mercados Verticais. Um desses grupos é o Jonas, que atua nas verticais de construção, meios de pagamento, fitness, entre outras. Já o Volaris atua em agribusiness, Justiça, educação, biociência e serviços financeiros.

A holding se relaciona com seus grupos de forma descentralizada. A CSI atua em melhorias operacionais e ajuda no direcionamento estratégico, dando autonomia para os gestores de cada grupo. Além disso, existe uma política de reinvestimento constante nas verticais com maior potencial de ROI e mercado disponível para expansão.

Como a Constellation faz para crescer? Por meio de M&As!

Nos verticais em que já atua, a empresa faz aquisições tuck-in, ou seja, incorpora a companhia adquirida à divisão correspondente que atua naquele setor. Uma operação bem sucedida desse tipo pode aumentar o faturamento e ampliar a gama de serviços e recursos da compradora, consequentemente resultando no ganho de market share.

Assim, viabiliza uma expansão geográfica ou alavanca o preço das suas soluções.

Mas e no caso de verticais em que a CSI não atuava antes? Aí as empresas alvo são aquelas com alto potencial de faturamento e dinâmica de mercado favorável. Os gestores originais são mantidos para desenvolvimento do conhecimento e expertise.

Em ambos os casos, é necessário monitorar uma série de indicadores de performance que vão servir de orientação para o reinvestimento no futuro, levando em consideração que o setor de SaaS tende a oferecer janelas de oportunidade de vantagens competitivas cada vez mais curtas, com rápida obsolescência dos produtos ou serviços.

Não dá pra ir atrás apenas das empresas que surfam alguma tendência sem entender as reais necessidades para que ela cresça de maneira sustentada.

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O volume previsto de oferta de ações na Bolsa em 2021 deve girar em torno dos R$ 160 bilhões, divididos entre IPOs e os follow-ons (Imagem; Reuters/Paulo Whitaker)

Combustível de crescimento

O Brasil vive um bom momento de investimento em startups. O ecossistema está em franca ebulição e muitos empreendedores têm recorrido aos investidores-anjo, private equity, venture capital e às fusões & aquisições. Ao todo, as startups brazucas captaram US$ 3,5 bilhões – quase o faturamento da Constellation.

O volume previsto de oferta de ações na Bolsa em 2021 deve girar em torno dos R$ 160 bilhões, divididos entre IPOs e os follow-ons (uma espécie de rodada B de captação de empresas já listadas), que despertam mais apetite, especialmente se estiverem bem precificados.

Existe uma terceira forma de capitalização, chamada de SPAC ou cheque em branco. A sigla vem do inglês e significa Special Purpose Acquisition Company e descreve a operação em que se cria uma companhia formada estritamente para levantar capital por meio de um IPO com o fim de adquirir outras empresas. Esse tipo de operação existe há anos nos EUA.

Até agosto de 2020, mais de 50 SPACs foram formados lá, com volume de captação de US$ 21,5 bilhões. Agora no início de 2021, o Softbank pediu a formação de um SPAC com objetivo de investir US$ 200 milhões na América Latina.

Geralmente, os criadores de SPACs são investidores ou patrocinadores com experiência em uma indústria em particular.

Os fundadores costumam ter pelo menos um target na mira que não é revelado com antecedência para não complicar o próprio IPO. Vem daí o apelido de cheque em branco, porque, quem compra as ações da SPAC não sabe quais companhias vão ser incorporadas efetivamente. Prefiro chamar de voto de confiança.

Empreendedores de pequenas empresas podem fazer um bom negócio vendendo participação para uma SPAC, já que têm a chance de garantir um preço mais atrativo (até 20% de ágio) em relação àquele de um deal com um fundo de private equity.

É possível que este caminho gere ainda uma jornada mais rápida para o IPO com a orientação de um parceiro mais experiente, ficando menos exposto aos humores do mercado.

O conceito de XaaS (tecnologia como serviço) tem muito a amadurecer no Brasil e precisamos de uma espécie de faster track para as inúmeras boas operações terem fôlego para se desenvolver. Nesse sentido, um modelo como este da CSI ajuda a trazer musculatura para as empresas cuidarem de inovação e de uma visão mais global dentro do seu vertical.

Que tal abrir aquele Chablis e pensar neste caminho de verticalização para seu negócio?

Pierre Schurmann é CEO da nuvini, grupo de empresas de SaaS, e chairman, fundador e sócio da Bossa Nova Investimentos

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