Saúde

Políticas ineficazes agravam crise de Covid no Brasil

06 mar 2021, 17:00 - atualizado em 08 mar 2021, 8:55
Pessoas caminham no Rio de Janeiro, em meio à pandemia de coronavírus
São Paulo é onde o coronavírus aterrissou pela primeira vez há um ano no Brasil, trazido involuntariamente por esquiadores e turistas que voltavam da França, Espanha, Itália e Estados Unidos, contagiando de forma exponencial a população (Imagem: REUTERS/ Pilar Olivares)

Mais de um ano depois do início da campanha mortal do coronavírus ao redor do mundo, a maioria dos países deixou o pior para trás com a ajuda de políticas ambiciosas e vacinas. Não foi o caso do Brasil.

O país enfrenta mais mortes e infecções por Covid do que nunca, com hospitais saturados, políticas desordenadas e disponibilidade de vacinas extremamente limitada. Além de um presidente que minimiza a doença, rejeita máscaras e não oferece uma política nacional efetiva de combate à pandemia, o país hospeda uma variante do vírus que é mais contagiosa e, possivelmente, mais mortal.

Nada ilustra melhor a natureza fragmentada das políticas de combate à Covid no Brasil – e como semearam confusão, raiva e sofrimento – do que três cidades no estado de São Paulo, onde abordagens distintas para a pandemia coexistem. Em uma, vale praticamente tudo; em outra, o lockdown é total; e na terceira, está em andamento um plano de vacinação em massa.

“Estamos vivendo momento muito pior do que já vivemos”, disse Denise Garrett, médica epidemiologista e vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, em Washington. “Vejo uma tempestade enorme se formando no Brasil. O fator das novas variantes é explosivo.”

São Paulo é onde o coronavírus aterrissou pela primeira vez há um ano no Brasil, trazido involuntariamente por esquiadores e turistas que voltavam da França, Espanha, Itália e Estados Unidos, contagiando de forma exponencial a população.

Araraquara, a quatro horas de carro da capital, se destaca pelo alto nível de renda. Seus 240.000 residentes ganham, em média, três vezes o salário mínimo do país.

Atualmente, o trabalho é escasso. Na verdade, tudo é escasso. Araraquara foi hermeticamente fechada – até supermercados e postos de gasolina estão fechados – nas últimas duas semanas para enfrentar o vírus.

Nos primeiros dois meses de 2021, mais pessoas morreram de Covid-19 na cidade do que em todo o ano de 2020. Além da maioria dos testes serem positivos, muitos também trazem a variante de Manaus. A cepa, que estudos preliminares sugerem ser pelo menos duas vezes mais transmissível, apareceu em mais de 80% das amostras coletadas em uma clínica na cidade entre meados de janeiro e fevereiro, segundo dados oficiais do município.

Por isso, o prefeito Edinho Silva (PT) impôs restrições rigorosas sem precedentes.

“Com o crescimento da pressão sobre o sistema de saúde, decidi por um lockdown como foi feito na China”, disse. Embora os efeitos demorem a aparecer nos números, era a única maneira de evitar que a situação piorasse ainda mais. “Sem essas medidas, vamos ter situação das pessoas morrerem sem ter tido direito de lutar pela vida.”

A cerca de 130 quilômetros de Araraquara, a cidade de Bauru, com 380.000 habitantes, enfrenta uma taxa de infecção igualmente alta. Seus leitos de UTI estão, assim como os das cidades vizinhas, 100% ocupados. Os pacientes, antes idosos, estão agora na casa dos 20 e 30 anos e com casos mais graves do que antes.

No entanto, Bauru não fechou. A prefeita Suellen Rosim (Patriota) tem seguido o exemplo do presidente Jair Bolsonaro, até mesmo participando de protestos contra o governador João Doria (PSDB) por ordenar o aumento das restrições no estado.

“As pessoas estão se arriscando, mas não é porque são irresponsáveis. É porque elas não aguentam mais”, disse o secretário de saúde de Bauru, Orlando Costa Dias. Ele nega que a pandemia esteja no pior momento e diz que um município, que tem 70% do PIB atrelado ao comércio, não pode simplesmente interromper as atividades por ordem do governador.

A 130 km na outra direção de Araraquara, Serrana chama atenção por causa do coronavírus, mas de uma maneira muito diferente. A pequena cidade de 46.000 habitantes, onde a taxa de letalidade do vírus é o dobro das outras duas cidades, foi escolhida pelo Instituto Butantan para um estudo que pesquisadores dizem ser o primeiro do tipo no mundo: a vacinação em massa.

Henrique e Viviane Ferreira estavam contentes na fila para fazer parte do pequeno grupo de pessoas entre 30 e 40 anos em todo o Brasil para tomar a vacina. Em outras partes do país, as doses estão disponíveis apenas para profissionais de saúde e pessoas com 75 anos ou mais, além de grupos prioritários, como a população indígena. O plano em Serrana é vacinar 30.000 pessoas, essencialmente todos na cidade com mais de 18 anos.

O plano, mantido em segredo por meses, causou furor quando foi anunciado em fevereiro. Mais de 90% dos moradores se cadastraram para participar. Pessoas de fora tentaram comprar ou alugar imóveis, mas um censo evitou o que o prefeito Léo Capitelli (MDB) chamou de “migração em massa de forma oportunista.”

Os resultados do experimento, que são esperados para maio, podem dar uma ideia de como será a vida dos brasileiros quando as vacinas ganharem escala. Especialistas em saúde como Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), esperavam que isso acontecesse bem antes. O Programa Nacional de Imunizações (PNI), diz ela, costumava diferenciar o país até mesmo de países ricos, garantindo acesso rápido e igualitário a vacinas.

“O PNI tem condições de vacinar muito mais do que isso nesse período de tempo que a gente teve para vacinar”, disse. “É muito triste a gente chegar a esse ponto.”

As três cidades exemplificam a experiência extremamente diversa da Covid no Brasil. As restrições variam de cidade para cidade e costumam ser atenuadas, mas reimpostas semanas depois – uma combinação de políticas que têm pouca ou nenhuma fiscalização, reduzindo a eficácia e prolongando a pandemia. Alguns políticos que definem as regras burlam as próprias ordens e, muitas vezes, discutem publicamente sobre quem é o culpado pela crise.

O vislumbre de esperança oferecido pela vacinação permanece distante. O país tem poucas doses, insuficientes para cobrir até mesmo os grupos prioritários. Jonas Donizette, presidente da Frente Nacional de Prefeitos, que lidera um grupo das maiores 400 cidades do país, culpa o governo federal por não ter adquirido vacinas com antecedência e na escala necessárias para um país de dimensões continentais. As cidades, diz ele, estão agindo por conta própria para tentar comprá-las, algo que nunca aconteceu antes.

A sensação de desordem e aumento de mortes – mais de 260.000 pessoas já morreram no Brasil de Covid-19, atrás apenas dos EUA – geram ansiedade política.

Nesta semana, governadores criticaram o governo federal por espalhar informações falsas e “priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população”. Estados como São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul aumentaram as restrições nos últimos dias para tentar conter a propagação da doença.

Embora o Ministério da Saúde esteja aberto a discutir medidas nacionais com os governadores, Bolsonaro barra tais iniciativas, disse uma pessoa a par do assunto.

“Continuaremos com alto número de infecções e mortes por pelo menos três meses, porque não há nada que impeça que isso aconteça”, disse Antônio Carlos Bandeira, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Não são os lockdowns em um lugar ou outro que irão evitar isso. Teríamos que ter coordenado isso há muito tempo.”

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