Coluna do Carlos Lopes

Poupança interna: Por que ela é cada vez mais vital para Brasil crescer

05 jul 2022, 16:37 - atualizado em 05 jul 2022, 16:37

Ministério da Economia poupança investimentos renda
“A construção de um amplo modelo de bem-estar social é uma das principais causas [da baixa taxa de poupança do Brasil], com políticas como a do salário-mínimo, saúde pública universal e o sistema previdenciário”, diz Carlos Lopes (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)
É uma constante nos discursos políticos a fala sobre a necessidade de se ampliar o investimento no país para elevar sua capacidade de crescimento. O país é carente de infraestrutura em diversos segmentos, o que limita a produção e encarece bens e serviços.

Para o país investir, no entanto, antes são necessários recursos. É preciso que o país tenha poupança. Quando esta é insuficiente para suprir as necessidades de investimento, utilizam-se então recursos externos.

Esta tem sido a regra. Desde 1947, início da série histórica, o Brasil usa aproximadamente 2,0% do PIB de recursos internacionais todos os anos, valor equivalente ao nosso déficit médio em conta corrente.

Esse déficit é geralmente financiado por outros recursos estrangeiros, como fluxos de investimento em bolsa ou investimentos diretos em empresas e projetos. Mas essa capacidade varia com o passar dos anos. Há períodos em que há menos recursos disponíveis internacionalmente e outros em que são mais abundantes.

Entre 2003 e 2005, por exemplo, os principais bancos centrais no mundo começaram a subir as taxas de juros, fazendo com que os fluxos financeiros para ativos mais arriscados ficassem mais escassos. Foi o que aconteceu com o Brasil que, diante de um cenário de forte incerteza política, sofreu com essa indisponibilidade de recursos e precisou gerar superávits em conta corrente.

O caso oposto aconteceu entre 2010 e 2014. Os fortes estímulos financeiros fornecidos pelos bancos centrais após a crise de 2008 mantiveram um cenário de liquidez abundante, favorecendo muitos países emergentes. Aqui, a concessão do grau de investimento e o acúmulo de reservas internacionais permitiram ao país ter déficits em conta corrente mais expressivos.

Pandemia levou a nova enxurrada de recursos

Nos últimos anos também houve uma boa disponibilidade de recursos. Os estímulos dados desde a grande crise nem haviam sido completamente revertidos quando a pandemia levou a mais uma rodada de injeção de recursos na economia mundial. Como resultado, os déficits em conta corrente do país nesse período foram financiados com relativa tranquilidade.

Carlos Lopes, economista do banco BV
“Escassez de recursos ou limita o crescimento por meio de taxas mais elevadas de juros ou implica maiores déficits na conta corrente, que colaboram para desvalorizar o real”, diz Lopes (Imagem: Divulgação/BV)

Mas essa situação já está começando a mudar e o país pode viver os próximos anos em um cenário de maior escassez de recursos no mundo e menor fluxo de capitais para mercados emergentes. Ou seja, possivelmente iremos depender mais da nossa própria capacidade de poupar para financiar maiores taxas de investimento.

Aí está um grande desafio. O Brasil estruturalmente é um país com pouca poupança em relação à sua renda. Segundo dados do Banco Mundial, desde 1960, foram poucos os anos em que a taxa de poupança do país, em percentual do PIB, não ficou abaixo da média mundial ou de outras agregações, como países de renda média, OCDE, América Latina, etc.

Em 2019, antes da pandemia, a taxa de poupança brasileira foi de 15% do PIB, abaixo dos 19% de América Latina e Caribe, 23% da OCDE, 27% da média global e 33% de países de renda média.

Mas por que temos tanta dificuldade em poupar uma parcela maior da renda nacional? Para entender o problema, é importante considerar que a poupança de qualquer país é formada pela combinação de empresas, famílias e governo.

Poupança doméstica nas costas das empresas

Em geral, empresas acumulam poupança para emergências financeiras, para pagar gastos operacionais ou de investimento, para ter acesso a financiamento externo, entre outros. A decisão da empresa procura ser a mais eficiente possível, tendo em vista seu planejamento. No Brasil, a maior contribuição para a poupança doméstica vem do setor corporativo.

Quanto às famílias, a taxa de poupança fica, em média, ao redor de 8%. Este valor, embora seja maior que a mediana dos países da OCDE, fica abaixo de países como China com 33%, México com 15% ou Chile com 12%. E há incentivos importantes que dificultam o aumento dessa taxa no Brasil.

A construção de um amplo modelo de bem-estar social é uma das principais causas, com políticas como a do salário-mínimo, saúde pública universal e o sistema previdenciário. A taxa de reposição da previdência brasileira, ou o valor da aposentadoria como proporção da renda quando ativo, é uma das mais altas do mundo.

O que por um lado desincentiva famílias a pouparem, por outro colabora para que o governo seja o principal limitador do crescimento da taxa de poupança no país. Déficits recorrentes nas contas públicas nos últimos anos são exemplo claro disso.

Aqui, o problema não pode ser atribuído apenas aos benefícios e assistencialismos sociais, mas também à má alocação de recursos no setor público para setores e segmentos específicos, que vão de gastos previdenciários à benefícios tributários. A elevada despoupança pública joga sobre o setor privado a responsabilidade pela geração de poupança.

O resultado prático é que a escassez de recursos ou limita o crescimento por meio de taxas mais elevadas de juros ou implica maiores déficits na conta corrente, que colaboram para desvalorizar o real.

Como o mundo, ao longo dos próximos anos, provavelmente terá menos recursos disponíveis para financiar nossas contas externas, o crescimento doméstico irá depender de reformas que controlem o nível e a eficiência do gasto público. Algo que não parece no radar dos próximos governo, o que torna a poupança nosso principal desafio.

Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.

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Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.
Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.
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