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Felipe Miranda: Qual é o plano? O ano acabou?

16 mar 2020, 11:55 - atualizado em 16 mar 2020, 11:55
“Se o Ibovespa caminhar mesmo para algo em torno de 60 mil pontos, aguentaremos firmes o tranco até lá”, disse o colunista

Dado o comportamento dos mercados nas últimas semanas, em especial depois daquela fatídica Quarta-feira de Cinzas, investidores têm perguntado se o ano estaria perdido, se 2020 passará para a história como um período de rendimentos negativos, inexoravelmente.

Em resumo, o ano já acabou? Entendo sinceramente que não. Há muito a se fazer. Temos um plano bastante claro na cabeça e hoje vou tentar apresentá-lo aqui.

Começa mais ou menos assim…

Desde o início da semana passada, temos adaptado nossas carteiras recomendadas para um posicionamento conservador. De imediato, sugerimos uma exposição de 30% dos portfólios a dólar e ouro e introduzimos as ações da Suzano (correlação positiva com o dólar) com peso relevante entre nossas indicações. Na sequência, propusemos uma operação vendida (short) com BOVA11 — ou com qualquer outra referência sistêmica para a Bolsa brasileira.

Deixe-me qualificar um pouco melhor essa posição short.

“Quer dizer, então, que a Empiricus está apostando na queda da Bolsa brasileira, dado que sugeriu a venda de BOVA11?”

Não é o caso, definitivamente. O que fizemos foi uma redução da exposição líquida às ações brasileiras, para algo em torno de 10%, hedgeada com a posição em dólar e ouro.

Por que fizemos isso? De forma simples e direta, porque era a coisa sensata a se fazer. Foi um movimento de gestão de risco. Como a matriz de risco e retorno piorou, as alocações precisaram ser modificadas para contemplar esse novo cenário.

Para facilitar a exposição, vou recuperar argumento do Day One da última quarta-feira (11).

O analista/gestor/investidor/estrategista — deem-lhe o nome que quiserem — não prevê o futuro. Ele não é um infectologista — na verdade, isso ajudaria pouco, porque também os infectologistas não preveem o futuro. Ninguém sabe o que vai acontecer ao certo. O melhor dos analistas consegue enxergar, com precisão, uma distribuição de probabilidades dos eventos futuros possíveis, conforme sintetizado na curva abaixo:

Ou seja, ao lado esquerdo, configura-se o pior cenário possível à frente. O cenário de lockdown leva a uma retração brutal da atividade econômica, que, por sua vez, contamina as condições de liquidez e solvência de algumas empresas e setores.

Há um custo social e psicológico muito grande, com as pessoas, isoladas e adotando o “social distancing”, sendo tiradas de suas zonas de conforto. O pânico e a aversão ao risco sobem ainda mais. Cadeias inteiras de suprimento são afetadas. As medidas de política econômica são pouco efetivas para combater o duplo choque de oferta e demanda agregadas. Vendas compulsórias se instauram no mercado financeiro. O drawdown (queda do topo ao fundo) dos índices de ações bate 60%, semelhante àquele de 2008. Trouxe duas tabelas com comparativos históricos para colocarmos em perspectiva essa crise frente às demais e trazer um pouco do quão ruim a coisa pode ficar.

Em contrapartida, também podemos caminhar à direita na curva de sino mais acima. A atuação dos bancos centrais consegue conter o pânico e endereçar problemas de iliquidez. Países emitem dívida a juro negativo e salvam o planeta inteiro num grande bail out, uma espécie de grande plano de estatização.

A sinalização de que “tudo será comprado a qualquer preço pelos Tesouros e bancos centrais” elimina a pressão vendedora e gera otimismo (ainda que alimente o moral hazard e hipoteque o nosso futuro, mas isso é problema para depois).

Empresas farmacêuticas desenvolvem vacina e remédio para o coronavírus. Resgatamos os princípios keynesianos mais elementares e iniciamos um gigantesco pacote fiscal focado em infraestrutura, ao menos endereçando parcialmente o problema da demanda agregada. Os mercados voltam a subir de forma vertiginosa, o surto é controlado e iniciamos uma clássica recuperação em V. Em 12 meses, ninguém lembra mais do coronavírus e de seu brevíssimo bear market.

Pode, perfeitamente, acontecer o primeiro cenário, o mais negativo. Pode também ser o segundo, o mais positivo. E, claro, há infinitos eventos igualmente possíveis entre eles, no meio da distribuição.

O bom analista/gestor/investidor/estrategista precisa preparar-se para toda a distribuição, já que é simplesmente impossível saber qual dos cenários vai se materializar exatamente. Aqui, há apenas dois tipos de pessoas: aquelas que não sabem qual dos cenários vai se materializar. E aquelas que não sabem que não sabem. O segundo grupo é muito mais perigoso.

Em cenários de extrema incerteza e sobretudo quando envolve risco de ruína e falência (como é o caso do cenário extremamente negativo apresentado), o parágrafo anterior é inviolável. Não se admite aventuras, brincadeiras, sonos tranquilos e postura gananciosa.

O momento requer conservadorismo, proteção, diligência, seriedade e trabalho Para ser bem-sucedido, primeiro precisamos sobreviver, resume Warren Buffett. Ou, como recomenda Taleb, qualquer estratégia que envolva risco de ruína precisa ser evitada, a qualquer custo. O foco agora é a sobrevivência, proteção patrimonial. Isso vale tanto para investimentos quanto para outras decisões financeiras: viagens, trocas de carro, compra de apartamento, doações relevantes. Isso pode esperar.

Há dias fartos e há dias nefastos. Chegará o momento — talvez não demore, pela própria natureza dessa crise, mais acentuada e, ao mesmo tempo, provavelmente mais célere também — de voltarmos a focar na multiplicação de patrimônio. Agora, porém, precisamos de responsabilidade e proteção patrimonial. Essa é uma das grandes crises recentes da história do capitalismo, algo com precedentes somente nas grandes guerras em termos de isolamento e potencial quebra das cadeias de suprimento. E assim precisa ser encarada.

Num ambiente como esse que se coloca diante de nós, recorro a dois elementos essenciais para argumentar em prol da necessidade de cautela.

O primeiro é o Princípio da Precaução, tão defendido por Nassim Taleb. Se uma ação ou uma política tem a suspeita ou o risco de causar extremo dano, essa ação não pode ser adotada sem a devida segurança. Diante do risco e da dimensão que essa crise ainda pode assumir (por favor, não confundir com “necessariamente vai assumir”), o único caminho possível é o da precaução. Recuperando um pouco o juramento de Hipócrates, o primeiro princípio é não causar danos. Começamos por aí. Acima de tudo, está o patrimônio do nosso assinante.

Mercados
O bom analista/gestor/investidor/estrategista precisa preparar-se para toda a distribuição, já que é simplesmente impossível saber qual dos cenários vai se materializar exatamente (Imagem: Unsplash/@m_b_m)

O segundo se liga ao princípio da ciência, que apresenta o mesmo argumento de forma diferente. Há dois tipos de erros possíveis. O erro tipo 1 toma por verdadeiro o que é falso. Já o erro tipo 2 toma por falso o que é verdadeiro. Comprar uma ação ruim e ver ela derreter (erro tipo 1) é uma decisão bem diferente de deixar de comprar uma ação boa e ver ela se multiplicar (erro tipo 2). O primeiro aniquila seu patrimônio. O segundo apenas vai ser mais uma das oportunidades que você deixou passar na vida — neste momento mesmo, algumas estão passando e nós não estamos vendo; faz parte do processo o erro tipo 2.

Talvez o leitor mais exigente (e acho que ele está mesmo certo em ser exigente) possa perguntar: “Ah, mas vocês não previram a crise?”.

Respondo com o grave defeito da transparência e honestidade de sempre: com efeito, não previmos a crise. E por quê? Porque é da essência dos cisnes negros sua impossibilidade de previsão. Não é esse o jogo. A definição do black swan é: um evento raro, de alto impacto e imprevisível — claro, depois que acontece, fica óbvio, como qualquer outra coisa na vida. Nunca vou me esquecer daquela apresentação do Bernardinho em nosso evento de 10 anos: “Eu demorei dois anos e meio para entender aquela derrota para a Rússia. Mas um grupo de pessoas a entendeu em 15 minutos: os comentaristas”.

Sendo 100% sincero aqui, talvez pudéssemos, sim, ter agido um pouco antes. Não no sentido de prever a crise, mas de atuar já na Quarta-feira de Cinzas. As palavras de Ray Dalio, o maior gestor do mundo, ao Financial Times nesse fim de semana expressa muito bem o sentimento em torno dessa questão: “Nós não sabíamos como navegar diante do vírus e, portanto, decidimos não mexer nas nossas posições, porque não tínhamos qualquer vantagem frente ao mercado para tradar o vírus. Então, ficamos com as posições e, em retrospecto, deveríamos ter cortado de imediato nossa exposição ao risco”.

A verdade é que, voltando no tempo, era muito difícil antever o quão grave a crise ficaria e que ela se tornaria estrutural. O caráter era um tanto claro de “one off” e de que o surto passaria, preservando ainda boa parte dos valores intrínsecos das empresas. Mesmo os melhores gestores do mundo não conseguiram reagir imediatamente. Precisamos de alguns dias para estudar, analisar e mudar as carteiras. Tudo aconteceu muito rápido — foram apenas três dias de mercado — e, assim que tivemos a real clareza do potencial tamanho do problema, ajustamos as carteiras, cortando na carne, porque aquilo era o certo a se fazer.

Há uma máxima de que me lembro todos os dias: no mercado, você é tão bom quanto seu último trade. Não importa sua história, não importa há quanto tempo você está na estrada. Sua última atitude foi a correta?

É essa última atitude a relevante, porque é ela que vai prepará-lo para o futuro. Estou convencido de que, a partir de nossas decisões desde a última segunda-feira, estamos rigorosamente preparados. Que seja do meu conhecimento, fomos a única casa de pesquisa, entre todos os bancos, as corretoras e os independentes, a defender uma significativa elevação da exposição a dólar e ouro desde o começo da semana passada e uma redução da posição líquida em ações, por meio do short em BOVA11. Estamos absolutamente focados na gestão de risco agora. E como diria Howard Marks: o risco é a coisa mais importante.

Estamos preparados e temos um plano claro nas mãos.

Se o cenário negativo, de fato, se materializar (hoje parece ser mais um dia nessa nefasta direção) e o Ibovespa caminhar mesmo para algo em torno de 60 mil pontos, aguentaremos firmes o tranco até lá. Chegaremos líquidos a este momento e poderemos comprar ações a preços realmente descontados. Será a chance da vida para formar posições que, em dois a três anos, vão se multiplicar algumas vezes. Aí é realmente a oportunidade da vida para ficar rico de verdade. Tudo de que precisamos é estarmos vivos até lá.

“Ah, mas e se vier uma recuperação vigorosa já a partir de agora?” Ora, se o cenário positivo se concretizar, então será o cenário positivo. Todos ganham com ele. Ainda temos uma posição razoável em Bolsa, juro longo e fundos imobiliários. Surfaremos também. Claro que, num primeiro momento, podemos até não pegar a recuperação com a mesma intensidade de que se estivéssemos “all in”. Mas aqui não se admite posicionamentos irresponsáveis do tipo “all in”.

Se o cenário melhorar e ficar tudo mais claro, com as nuvens passando e o céu voltando a ficar azul, retomamos o bull market estrutural e vamos lá buscar os 300 mil pontos ainda neste ciclo. Então, com a crise superada, poderemos voltar a ter uma posição mais pesada em Bolsa. Ainda que não tenhamos surfado a pernada inicial com tamanha intensidade, vamos recuperar no tempo. O cenário bom, positivo e de multiplicação dos preços dos ativos de risco é muito mais simples de navegar. Ele nos traria ganhos de qualquer jeito.

Em resumo, se formos a 60 mil pontos, aumentaremos a alocação líquida comprada em Bolsa para algo próximo a 50% das carteiras. E, se começarmos a subir a partir dos níveis atuais, vamos recuperar de todo modo, só precisaremos estender um pouco nosso horizonte temporal.

Eis o plano que temos nas mãos. Estamos preparados, venha o que vier.

CIO e estrategista-chefe da Empiricus
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
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