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Green Deal Europeu, mercado de capitais e o neocolonialismo: tudo junto e misturado?

30 ago 2023, 9:38 - atualizado em 30 ago 2023, 10:06
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União Europeia busca impor, por meio de Green Deal, exigências e medidas sobre países para entrada de produtos no velho continente (Imagem: Wikipedia/ Neil Palmer/CIAT)

Na semana passada, em plena reunião dos BRICS, grupo que reúne algumas das maiores economias emergentes do mundo, o presidente da República Federativa do Brasil abordou o tema do Green Deal, o Pacto Verde Europeu e fez a seguinte afirmação.

“Não podemos aceitar um neocolonialismo verde que impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias sob o pretexto de proteger o meio ambiente”.

Em primeiro lugar, vale explicar do que se trata exatamente o chamado Green Deal ou Pacto Verde Europeu.

O que é o “Green Deal” Europeu?

O pacto representa uma série de novas exigências, medidas e regulamentos editados pelos países da União Europeia (UE), no âmbito da governança do próprio bloco para a entrada de alguns produtos em países europeus, basicamente commodities do agronegócio, sob algumas condições de produção, determinadas de acordo com a nova normativa que deverá ser observada a partir de 2024.

Essas exigências relacionam-se à produção de produtos agropecuários, tais como: cacau, café, carne, soja, dentre outros, produzidos em áreas que – segundo esse “pacto” – estariam sujeitas a ter sua comercialização proibida para países integrantes da UE, acaso, segundo a diretiva em questão, tenham sido produzidos em desconformidade com a legislação ambiental europeia e/ou em desconformidade com a legislação ambiental dos países de origem desses produtos agropecuários.

Assim, com esse “pacto verde”, a UE tentar acoplar à sua legislação, novas diretivas comerciais e de produção visando atingir até o ano de 2050, uma meta de redução de até 55% das emissões de GEEs (Gases de Efeito Estufa) em relação às cadeias de produção desses produtos agropecuários que se originem ou passem pela Europa até mesmo via importações de outros países, de modo que o continente retorne aos níveis de emissão de GEEs do início dos anos 1990.

Ocorre que essa nova normativa ou “pacto”, com o perdão do trocadilho, pode “impactar” decisivamente, não só o comércio internacional desses produtos – já que valerá para as transações para e com os países membros da UE a serem realizadas a partir do ano que vem – mas também, e em especial, a mercados locais como o brasileiro, bem como seus produtores, agroindústrias e comerciais exportadoras, financiadores.

Por uma questão de volume e importância do comércio entre o Brasil e a UE para produtos agropecuários – que representam em números atuais cerca de 20% do total das exportações brasileiras – tendem então a reverberar de forma muito relevante em várias facetas de nosso mercado nacional e nas cadeias globais que dependem do fornecimento desses produtos de e ao Brasil.

Como as leis ambientais do Brasil entram nessa história?

Por outro lado, apesar do que foi citado acima, tal normativa pode representar uma ingerência europeia em assuntos que, em primeira mão, não estariam ao “alcance” da UE – já que, apesar de a questão ambiental ser global, o impacto extraterritorial (fora da UE) dessa normativa desconsidera, por exemplo, a existência de leis ambientais, fiscalização de produção e cadeias de produção existentes em países produtores, que são, na maioria das vezes, bem mais rígidas até do que essa e outras diretivas europeias em torno do tema.

Falando do Brasil, no Código Florestal de 2012, nas normativas de sanidade agropecuária e até mesmo nas práticas difundidas no mercado financeiro e de capitais para financiamento da produção agropecuária, dentre outras normativas e processos, que consideram o respeito absoluto à legislação ambiental, ao compliance e às boas práticas ESG (Governança ambiental, social e corporativa)) podem redundar em certificações, muitas delas, feitas por empresas com matriz na própria Europa e que atestam o mais absoluto respeito dos produtores dessas commodities exportadas à UE às normas locais e internacionais de produção.

Além disso, as empresas brasileiras e/ou até mesmo empresas estrangeiras com capital aberto no Brasil, como o Banco Santander por exemplo, que atuam na cadeia ampla de agropecuária, seja na produção, comercialização, industrialização e/ou financiamento dessas atividades, atendem aos mais altos padrões de governança da B3 para a listagem de suas ações e demais títulos colocados no mercado o que, muitas das vezes, trazem um padrão de exigência e transparência de suas práticas locais em níveis de governança até maiores do que exigem alguns dos importantes mercados europeus para a listagem de seus papéis a mercado.

Potenciais consequências para o mercado global

Assim sendo, seria no mínimo temerário para as cadeias globais de comércio e produção de qualquer dos blocos de países integrantes dessas cadeias, violar a soberania de outras partes em outros países e jurisdições extraterritorialmente, a partir de diretivas próprias, de obrigações a serem adotadas por parte de produtores exportadores situados em outros países não membros do respectivo bloco e que atendem rigorosamente aos mais altos padrões de produção de seus produtos exportados.

O fato é que empresas e exportadores brasileiros estão na “alça de mira” desse novo pacote europeu, razão maior da “bronca presidencial” da semana passada, já que tais diretivas visaram, ao fim e ao cabo, criar restrições comerciais para alguns produtos de origem agropecuária com base em supostas desconformidades de produção que, por vezes, abrangem até ações legais e autorizadas pela legislação ambiental dos países de origem dos produtos abrangidos para a produção rural em total conformidade com a legislação de muitos desses países como as leis brasileiras, por exemplo, que respaldam as melhores condições de produção e comercialização desses produtos em nível internacional, tanto quantitativamente, quanto qualitativamente.

O pior de tudo isso é a possibilidade de se gerar um efeito contrário no mundo já que, ao tentar misturar “água e azeite”, numa tentativa pra dizer o mínimo, apressada por parte da UE de tentar se comprometer com algo que tem pouca capacidade de aferir e nenhuma jurisdição em torno das melhores práticas de produção – mesmo enfrentando nos seus limites territoriais um conflito de impactos ambientais mais relevantes como o conflito na Ucrânia – podemos ter a partir de 2024 restrições de comércio internacional de produtos agropecuários produzidos por agentes e em cadeias de menor impacto ambiental, com efeitos muitas vezes contrários às metas estabelecidas pelos acordos globais do clima.

Dessa forma, podemos afirmar que com o advento do Green Deal Europeu estamos diante de novos parâmetros de mercado e, portanto, novos desafios para o comércio internacional e para as cadeias globais de muitos dos produtos agropecuários amplamente produzidos e comercializados no mundo mas que, certamente, podem e devem encerrar preocupações especiais para os países produtores e respectivos mercados, já que “joio e trigo” acabaram por se misturar indevidamente nesse lampejo de colonialismo tardio que as autoridades europeias resolveram “requentar” em nome de suposta conformidade aos pactos globais de proteção ao clima e combate ao aquecimento global.

André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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