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O futuro do mercado financeiro e o papel das moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs)

08 nov 2020, 11:00 - atualizado em 12 maio 2021, 9:52
Confira entrevista exclusiva com Roberto Cardassi, CEO da fintech BlueBenx sobre a inovação trazida pelas moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs) (Imagem: Unsplash/ninjason)

A alta do bitcoin, a oferta de novos produtos e serviços que visam acelerar e assegurar transações eletrônicas, bem como o grande fluxo de capital no mercado cripto são alguns dos fatores que chamam a atenção de quem ainda não faz parte desse ecossistema.

O mercado financeiro tradicional pesquisa e tenta integrar novas tecnologias a seus sistemas, considerados “ultrapassados”.

Porém, uma ponte entre cripto e mercado tradicional ou, mais especificamente, bancos centrais em todo o mundo são as chamadas moedas digitais emitidas por bancos centrais (ou CBDCs, na sigla em inglês).

Convidamos Roberto Cardassi, CEO e porta-voz da fintech especializada em criptoativos BlueBenx, para falar sobre essa mudança de postura de bancos centrais que, embora relutantes, têm iniciativas que visam apresentar uma moeda digital a suas economias locais.

1) Muitos bancos centrais desejam emitir CBDCs para complementar seu sistema monetário nacional, como a China, com seu yuan digital (ou “DCEP”), e Bahamas, com seu “sand dollar”. Quais medidas bancos precisam tomar para que essa migração para o digital seja bem-sucedida?

Os projetos de emissão de próprias moedas dos bancos centrais não são de agora. Já faz, ao menos, dois ou três anos que o tema está ganhando força e sendo discutido desde que o bitcoin tomou proporção e notoriedade mundiais.

Há diferentes fatores na hora de analisar os projetos objetivados pelos bancos centrais.

O nome “sand dollar”, da moeda digital das Bahamas, é em homenagem à bolacha-da-praia, animal aquático que se movimenta pelas praias do Pacífico (Imagem: Unsplash/jakebeman)

Um dos pontos é, talvez, o desejo de centralizar ou de controlar a moeda digital, no sentido de que os bancos centrais continuem sendo os emissores e, como tais, têm controle pleno das regras de uso e aplicação dessas moedas.

Uma segunda situação é promover uma melhor dominância do bitcoin no mercado, muitas vezes impondo alguns limites de transações locais e privilegiando logicamente o uso dessa moeda própria.

Eu vejo esses projetos de emissões de moedas de bancos centrais como uma corrida dos Estados para a participação do mercado digital. Esse é um mercado em plena expansão, que está ganhando cada dia mais destaque e adesão.

Certamente, é o futuro e é claro que a entrada dos bancos centrais favorece ainda mais a adoção das criptomoedas. Porém, a criação das CBDCs também também uma adequação do sistema financeiro atual ao novo mundo, ao novo tipo de sistema.

Vamos pensar que as moedas digitais também são, sem dúvida, uma forma de melhor distribuição de renda, pois disponibiliza transações muito mais rápidas e, sobretudo, muito mais rastreáveis.

Europa é uma das regiões que mais está estudando a possibilidade de lançar um “euro digital” para complementar seu sistema econômico (Imagem: Pixabay/geralt)

2) CBDCs podem ser uma ameaça ao sistema monetário tradicional ou são apenas um complemento digital?

Totalmente. O sistema monetário atual é arcaico e ultrapassado. Ele é lento, moroso, extremamente engessado, de difícil de rastreamento e pouco acessível. Então, sim, elas são inovações disruptivas que podem transformar o modelo tradicional.

No entanto, não acredito que simplesmente uma moeda digital vai substituir os modelos que conhecemos, até porque depende da adoção pública. Depende muito da facilidade das pessoas de saber lidar com esse tipo de ativo, com essa nova moeda.

Então é uma ameaça à forma como é feita mas, inicialmente, vem para ser um complemento, como o próprio PIX. É um modelo, um sistema diferente que, aos poucos, vai conquistar seu espaço, ocupando lugares onde, hoje, o dinheiro físico já não é tão eficiente.

CBDCs irão “complementar”,
e não substituir o dinheiro em espécie, afirma BIS

A China é um dos países que, em vez de adotar o bitcoin, preferiu criar sua própria criptomoeda, o yuan digital (ou DCEP) (Imagem: Pixabay/RABAUZ)

3) Bancos centrais em todo o mundo devem ter versões digitais de suas moedas nacionais ou devem esperar pela demanda da população e/ou do setor institucional?

Eu acredito que a demanda da população, a popularização do bitcoin e o interesse do mercado nesse tipo de ativo já despertaram, há algum tempo, a necessidade de uma resposta do Banco Central.

A questão toda é que o Brasil, como sempre, fica aguardando a vanguarda ou a iniciativa de outros países de referência, como os EUA, Japão e a própria China, antes de tomar uma decisão. Mas eu acho que já existem, no mundo inteiro, e não só no Brasil, movimentações e estudos muito positivos.

O Banco Central precisa emitir uma moeda, desde que ela tenha uma objetividade, que faça parte desse mercado, e não tente competir com ele. Pode ser, de fato, uma ICO (iniciativa de oferta de moeda),  realmente pautada em um bom projeto. Isso vai ser muito vantajoso para o país.

Sem dúvida nenhuma é a possibilidade de ganharmos alguns anos nas projeções com relação ao uso efetivo e a adoção do mercado de criptos e tokens no país.

Alguns afirmam que CBDCs ferem o “ethos” do bitcoin, que foi criado para ser um sistema eletrônico de pagamentos que foge das “garras” do mercado financeiro tradicional (Imagem: Pixabay/AaronJOlson)

4) Você acredita que a ideia das CBDCs “fere” o conceito original do bitcoin, de ser uma moeda digital descentralizada e que não deveria precisar de uma autoridade que a controle?

Sim, eu acredito que elas não têm o mesmo preceito, a mesma ideologia do bitcoin e de outras altcoins. Elas fogem desse conceito da descentralização do dinheiro. Isso é um fato.

Porém, a questão da centralização não é um adjetivo só das moedas dos Bancos Centrais porque hoje, no mercado, você tem alguns ativos que são centralizados e, quando o ativo não é centralizado, muitas vezes, o mercado é centralizado, pois especifica e dita as regras.

O nascimento das DeFi (ou sistema de finanças descentralizadas) agora vem para tentar mudar um pouco essa arbitragem.

Existem muito projetos que são centralizados, como o próprio Ripple, ou então grandes exchanges que centralizam, que controlam as transações que acontecem, então isso não é exclusividade das CBDCs.

Eu acredito que a centralização e a descentralização estão muito ligadas à forma como os produtos e os serviços são disponibilizados, a forma como são arbitrados e até onde o usuário final/cliente é o detentor do poder, da decisão e da oscilação de preço.

Muitas vezes e, do mesmo jeito que a centralização não é algo positivo, ao analisarmos o objetivo inicial do bitcoin, ela também permite que o mercado não quebre ou que não tenha fraudes, então é possível ter boas discussões sobre essa questão da centralização e descentralização.

Por fim, eu entendo também que está havendo, no mercado, um movimento muito forte de replicação de algumas das operações e transações feitas com o dinheiro tradicional ou do mercado de ativos tradicionais, agora convertidas para o mercado de criptomoedas.

Então, eu não acredito que exista um objetivo de centralização por parte dos Bancos Centrais. Eu acho que, na verdade, eles estão fazendo como a maioria, que é usar os benefícios do blockchain para impulsionar e melhorar o modelo tradicional

Para finalizar, esses modelos centralizados e descentralizados podem coexistir. Basta pensar nas exchanges do mercado, como Coinbase e Binance, e olhar para DeFi.

Podem coexistir e essa é uma das coisas maravilhosas das criptomoedas: a possibilidade de transformar transações, antes convencionais e extremamente complexas, em modelos aplicáveis e muito dinâmicos.

5) O que falta para o Brasil lançar seu “real digital”?

Eu acredito que o Brasil tem todos os recursos e componentes para poder lançar a própria moeda digital, ou seja, o real digital.

Eu acho, inclusive, que tanto o Banco Central brasileiro quanto a CVM estão buscando se atualizar. Estão pesquisando o mercado e a evolução das criptos, vendo e discutindo sobre sandbox e fazendo consultas públicas.

Roberto acredita que “moedas digitais podem ajudar ainda mais” a desbancarizar o acesso financeiro (Imagem: Unsplash/@ewankennedy19)

Eu acho que o primeiro ponto é definir quem é o responsável por supervisionar esse mercado. Então, quando se fala que o Banco Central está olhando a possibilidade do Real Digital e a possibilidade de uma moeda virtual, isso deixa claro que o BC está se posicionando como regulador do mercado e isso é muito interessante.

Nós acompanhamos a transição do BTC, de não ser considerado uma moeda para se tornar um ativo financeiro e até uma reserva de valor para, agora, possivelmente, voltar a ser uma moeda.

Quando a gente fala das moedas dos bancos centrais, isso mostra uma melhora, uma maturidade dos órgãos, no sentido de olhar o potencial desse mercado, e não simplesmente fomentar opiniões muitas vezes impulsionadas pelas especulações, pelas fake news.

Eu acho que o Brasil tem tudo para lançar a própria moeda, tem tudo para ser um sucesso. O brasileiro tem um comportamento muito interessante no sentido de consumir novidades e adotar.

Mas ainda existe um desafio muito grande: bancarizar ou ativar financeiramente um percentual importante da sociedade.

Hoje, o Brasil hoje tem um volume alto de desbancarizados e as iniciativas de Open Banking começaram a possibilitar um pouco mais essa imersão das pessoas no sistema financeiro. Acho que as moedas digitais podem ajudar ainda mais a ativar essas pessoas.

Quando nós saímos dos grandes centros, temos uma parcela importante da sociedade que ainda não tem uma conta bancária, então eu acho que, para um projeto de uma moeda digital funcionar, tem que se pensar também no ecossistema e como vai ser feita essa distribuição, sobretudo, a acessibilidade.

Por fim, é importante lembrar que, hoje, nós praticamente pagamos 90% do nosso consumo de forma digital, então estamos diante de uma possibilidade de evoluir ainda mais esse sistema, de possivelmente reduzir muitos custos de trocas cambiais, de envio e recebimento do dinheiro.

Então eu acho que a gente pode dar um passo muito interessante no sentido de tornar a economia o sistema financeiro ainda mais dinâmico, mais ativo e o Brasil pode sim se tornar uma referência nesse mercado.

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